Desafio da Última Linha

Acompanhe aqui as sugestões de cada um:

Desafio dos Neologismos - Encerrado
Desafio dos Títulos -Encerrado


sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

A blusa branca

Tirei a blusa do armário.
Eu tinha de experimentá-la para ver se ainda me servia, afinal se passaram dois meses sem que eu sequer tocasse ou quisesse tocá-la. Mas aquela blusa me apertava. Ainda me servia - ótimo!, mas me apertava com a força que só eu conseguia enxergar: naquele pedaço de pano estava a minha história.
Vestido, eu andava com uma certa altivez que me convinha e que, suponho, convinha a todos que a utilizassem. Mas poucos se davam conta do que significava aquela blusa branca. Bem ou mal, com ou sem memórias, ela ainda me apertava e sufocava e eu, um pouco extasiado de usá-la mais uma vez, me admirava frente ao espelho - que nunca mentira para mim.
Vesti-la era minha dor diária, minha labuta, meu suor, meu cansaço. Ela me representava tudo o que eu tinha de fazer incansavelmente. Apenas representava, eu diria, porque de fato ela me cansava (e cansa) e me pesava (e pesa) sem me deixar descansar.
Diante disso, desisti temporariamente do meu torpor cíclico - ele voltará, ele voltará.
Tirei a blusa do colégio.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

3:19 am

A madrugada, para os outros, tende a ser um buraco no tempo. Um horário cedo demais para acordar e tarde demais para dormir.
E para mim, apenas o início da diversão. Os pensamentos fluem, como que livres por não terem de habitar as outras mentes que, ocupadas, dormem e simplesmente sonham com o que não precisa ter lógica -aliás, faz um bom tempo que não sonho.
Se me fosse permitido, eu até vagaria por essa lacuna temporal, pois nela (tal como eu) habitam o frio e o silêncio: o ambiente propício para a reflexão.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Procura-se

Ultimamente venho perdendo minhas idéias. Perco a maioria delas entre a noite e o nascer do sol, algumas perco indo de um lugar para o outro.
Mas, por favor, não me culpem de negligencia: a inspiração me vem em momentos inoportunos. As vezes estou no ônibus, ou me equilibrando no metro ( e todos sabem que esses momentos não são os melhores), mas, como podem ter percebido pelo que disse algumas linhas a acima, a minha musa inspiradora gosta de me sorrir quando me deito. É quando estou deitada que me vem o que escrever, em alguns momentos me vem um estalo tão forte que posso até pensar em textos inteiros. Infelizmente é também quando a preguiça ganha de mim e eu não acho forças pra levantar (e quando acho algo mais me impossibilita de registrá-las).
É assim que perco minhas idéias, mas como puderam ver, não é minha culpa. Todas elas são muito importante pra mim, então se alguém encontrá-las, por favor, entre em contato.

Ofereço recompensa.

Costura

Nas mãos, agulha e linha. Na cabeça, as memórias e a vontade de conservá-las. Passou a costurar todas as idéias que lhe vinham e a colcha de retalhos e memória que, por fim, se criou -depois de semanas de pura habilidade manual- era sua mais nova companheira para o inverno. Cada pedacinho de pano vinha carregado de uma emoção diferente e cada vez que se cobria, era abraçada por si mesma, porque era de fé o carinho que havia posto naquele trabalho, naquele artesanato. Todos os sentimentos bons que lhe cabiam ficaram fixos no pano azul daquela roupa.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Dor

Vejo-me como a criança que descobre o mundo e espera eternamente pelo pai que não aparece na ânsia de lhe contar sobre como é a vida para seus olhos. Como a criança que quando, por fim, com esse pai consegue contato, tem apenas tempo de lhe dizer te amo. Estou cansada de correr atrás de alguém que comigo não se importa. Gostaria de ser o pai e lhe provar como é ruim a outra posição. Não sou alguém que recolhe as migalhas de amor e tempo jogadas pela janela do carro. Mereço mais. Mereço um mundo. E o terei. Vou lhe mostrar o que é ter de correr atrás de alguém e desse alguém não obter sequer um minuto sincero de atenção. Não posso continuar a derramar minhas mágoas nesse teclado, no simples intento de não lhe ferir e manter essa farsa triste em que vivo. Sou grande demais para manter escondida de seus olhos a tristeza que se esconde em minha alma. A partir de agora, você correrá atrás de mim e saberá como é sofrer com a falta de tempo e com a interferência externa em uma coisa que somente a você pertence.

(29/01/2006)
Assustador como um pequeno pensamento pode ter transformado uma história.

Maria Vive

Maria sai. Maria anda, Maria anda. Maria dirige, Maria para.
Maria paga, Maria entra. Maria dança
Maria dança, Maria bebe.
Maria dança, Maria bebe.

Maria cai

Maria levanta. Maria bebe, Maria bebe. Maria beija, Maria dança.
Eles chamam
- dança, Maria, dança!
- bebe, Maria, bebe!
- vem, Maria, vem!

Maria se entrega? Quase
Maria se entrega? Quase

Maria prossegue. Maria é.
Maria bonita, Maria livre

Maria dança, Maria beija, Maria bebe. Maria roda, grita, beija e dança e bebe. E Maria é.
Maria prossegue e bebe e dança.

E é.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Tentativa e erro.

Era como se tivesse sido iluminado pelo dom de saber que o mundo estava errado. Melhor dizendo, atingido pela maldição, porque no auge dos seus 16 anos recém-completos, sentia que nada podia fazer e diminuia-se cada vez mais na cadeira dura na qual, sentado, armado de uma caneta azul, extravasava sua perplexidade em relação ao erro.
O erro tornara-se essência humana, mas há dois tipos de erro, vale lembrar: o de aprendizado e o rotineiro. O erro de escovar os dentes, de trabalhar, de ganhar dinheiro, dentre outros, era a causa do torpor humano no qual todos se encontravam. Ele se via numa sociedade de vegetais que já não tinha a mínima consciência da própria existência,do próprio eu.
Mas só ele sabia disso!
E de nada adiantava saber porque, de certa forma, ele haveria de se encaixar, um dia, nesse estratagema sinistro que fugira do controle de quem quer que o tenha criado.
"Não se eu puder evitar", pensou. Aliás, esse era o seu grande mal: pensar. Refletir era o que mais lhe doía, mas era inevitável (e não havia aspirinas para pensamento!). Era um caminho sem volta. E se, por acaso, se perguntasse como era viver sem pensar, apenas uma idéia lhe vinha à cabeça: a morte. A morte era o fim daquele pesadelo lúcido no qual aquela pequena criança se encontrava.
Por essas e outras razões, uma de suas melhores amigas era a empregada da casa. Aquele choque de vidas era incrivelmente enriquecedor e interessante. Ela era, de fato, um objeto de estudo para ele: como alguém consegue ser humilhado, ganhar pouco (num mundo torto que exigia o justo contrário) e ainda sorrir?
Esse mundo é realmente um lugar fascinante.
Fascinante e sujo.
Cansado, resolveu dormir.

Mas preferiu não sonhar.