Desafio da Última Linha

Acompanhe aqui as sugestões de cada um:

Desafio dos Neologismos - Encerrado
Desafio dos Títulos -Encerrado


sábado, 29 de novembro de 2008

Erratum

Agora são seis, as pererecas: comprei mais duas.

Aumento silenciosamente meu império... Eba!

("Errata" é o plural de "erratum"; embora não seja de praxe, faço uso do que julgo ser o uso mais correto: "errata" para uma coletânea de correções, "erratum" para uma apenas.)

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Talvez CAp

Talvez esse não seja o melhor lugar para dizer isso. Não ligo.

Talvez devesse sentir falta. Sentir falta de risadas, choros, amizades, traições, coleguismos, falsidades, provas, férias, viagens, fofocas, tempos vagos, zueiras, conversas. Talvez não.

Ou até talvez venha a sentir falta disso tudo. Não agora.

Infelizmente, o que, hoje, vou levar com certeza e que não é um talvez, são as tristezas, rejeições, humilhações, amizades perdidas.

Talvez algumas amizades fiquem. Sei que algumas poucas pessoas gostaria que ficassem.

Enfim acabou. Talvez exista a falta do CAp daqui a algum tempo. Provavelmente não. 

domingo, 23 de novembro de 2008

As Pererecas

Esta semana cheguei à brilhante conclusão: pererecas pulam. E não me refiro aos nossos amigos anuros, mas às simpáticas bolinhas de látex, diversão garantida para um dia de ócio. Eu poderia, leitor, simplesmente acabar o texto aqui, nesta secura lacônica. Mas acho que há mais do que pensamos a respeito das pererecas.

Nunca, creio eu, paramos para pensar sobre as pererecas o tanto quanto devíamos. Abusamos das coitadas a bel prazer, quicando-as sobre qualquer superfície que prometa algum entretenimento para nossas mentes satisfeitas… Será que há mais nas pererecas? Ou será que são apenas pererecas?

Pois eu, enquanto entusiasta (e leigo) da mitologia quântica, acredito serem as pererecas as sumas representantes de uma outra dimensão na terra. Assim como o pé grande representa uma, os extraterrestres outra, os pombos outra mais, etc. Descobri isso numa tarde muito lúcida de recreação com minhas quatro amigas alterdimensionais.

Eu, com o status de artista – profissional dos devaneios, se assim preferir –, tenho o dom para-psíquico de me comunicar com seres cuja linguagem nos é completamente estranha. Nunca conversei com o pé grande ou o chupa-cabra, mas tenho certeza de que, se o fizesse, bateríamos altos papos.

E foi fazendo uso desse dom que passei aquela tarde proseando jovialmente com minhas companheiras. Fizeram-me suas reclamações, todas bastante sensatas e devidamente justificadas: querem que paremos de simplesmente quicá-las por aí, elas têm o direito de escolher quando e onde querem dar seus pulinhos; querem, também, que parem de ser vendidas nas bancas de jornal (“é um absurdo”, me confidenciou uma delas, “que séculos”, corrijo-a, pois há menos de dois séculos, o que configuraria como uso correto o singular, “após a abolição”, oficial, “da escravidão, sejamos vendidas dessa forma, como animais”) a preços degradantemente baixos; etc.

Também me esclareceram acerca de mais uma coisa: não são feitas em fábricas, como imaginava, mas são fruto de reprodução sexuada em sua dimensão e vêm para cá como diplomatas. Sim, as bolinhas que maltratamos e de que malcuidamos (mas mui bem-amamos) são, na verdade, diplomatas. Têm escolaridade e o caralho a quatro.

Aliás, nem todas são bonitinhas e bem dispostas como nossas conhecidas daqui da Terra. Disseram-me que a grande maioria é feia, normalmente de tons pastéis ou até cinzentas, e não passa de uma “alcatéia de alcoviteiras ignorantes”, como muito veemente colocou uma outra de minhas colegas. Apesar da aparente arrogância que demonstrou, disse-me serem muito pacientes e tolerantes.

As pererecas são gente fina, educada, sincera, divertida, sim, mas elas também têm sentimentos, têm lá suas mágoas e suas psico-cólicas. Temos de mostrar um pouco nossa humanidade, ser bons anfitriões para nossas visitantes... Nunca se sabe quando podem arquitetar um plano maquiavélico de dominação interdimensional.

Para finalizar, atentem meu apelo: tratem bem as pererecas! Elas não são gente, mas são como se fosse!

domingo, 16 de novembro de 2008

Título é coisa de comunista

O seu rosto, outrora pradaria, tornou-se um cânion. Seco, árido, áspero, empoeirado. Reparou isso quando se olhou no espelho pela manhã, uma manhã de domingo, ou de terça-feira, eram todas iguais, e viu um velho. Mas ele não era esse velho. A pessoa que ele via no espelho não era ele.

A luz o enganava, mexia com suas idéias, pensava, pensava, matutava: e quem seria você, a pessoa do espelho. Ele se perguntou se seria realmente ele e confrontou a verdade: envelhecera. Mas não era aquela pessoa, não podia ser, não era. Pára de bobagem, disse aos velhos olhos enevoados e cinzentos, com aquele aspecto cinzento da senectude, aqueles olhos cinzentos que zombam, que dizem que você já está velho e cinzento e deve morrer para deixar de ser um fardo cinzento para o mundo.

Dessa vez decidiu encarar a verdade: era ele, sim era ele e nada podia fazer... Quando ficara assim? Olhava seu próprio rosto, a expressão inevitavelmente vazia e profunda de uma fotografia importante, todas as manhãs, todas as manhãs olhava seu rosto e nunca havia notado as diferenças. Sabia que já fora jovem, lembrava-se desses dias, gloriosos dias de juventude, liberdade, liberdade, de viagens, de amores, de entusiasmo. Como era delicioso o entusiasmo da juventude, aquela ânsia por conquista, por qualquer coisa, aquela ânsia pela complexão, pela integridade, pela totalidade, pela vida intensa e muita, muita vida, por viver muito de uma vez só, pelas garfadas cheias, pelos pratos cheios, pelo sexo, o sexo, o sexo era maravilhoso.

Não era mais jovem, mas isso não significava não ser mais a mesma pessoa de antes, de forma alguma, ser velho não quer dizer ser outra pessoa, ou quer, ou não quer, ou quereria, pensava, pensava, refletia, matutava, cogitava, era. Fazia um mapa do cânion inexplorado de sua face. Hoje em dia, comia pouco, dormia pouco, trepava pouco, celebrava pouco, sua vida era um saco, se soubesse que seria assim quando era jovem teria se matado há muito tempo e isso o perturbava por demais, pois não queria tentar imaginar como pensava que seria quando era jovem, porque há certas sensações que o cérebro é capaz de guardar e outras ele perde, ele perde, ele se esquece delas, assim, num estalar dos dedos ele as deixa para trás, ele não se importa, o cérebro é insensível, é uma máquina, é um computador, ele não pensa, ele não quer, ele não decide, ele faz, ele executa, é um robô, é um autômato, afinal, nós somos autômatos, nós somos todos robôs, somos formigas, formigas idiotas, inúteis, impotentes, impossíveis, os robôs são formigas e as formigas são computadores, e isso o perturbava, pois seu rosto era diferente e tudo era diferente, mas nem tudo deveria ser diferente, ele queria ser como era antigamente, queria envelhecer ao contrário, queria fazer o caminho inverso, mas isso ia contra as leis da biologia e contra as leis da física e contra as leis de tudo e do mundo, mas o mundo não é tudo, nem a matemática é tudo, então ele se esqueceu de o que tudo era e se lembrou do que achava que era quando era mais jovem, e tudo se embaralhou como um baralho sem naipes e só cheio de coringas, cheio de coringas como bobos da corte que dançavam e faziam ruídos impacientes, indolores, inocentes e impávidos com seus guizos mortos, eram mortos, eram de metal, eram robôs, os guizos eram pequenos cérebros, como formigas que tilintam, como taças, eram taças que embriagavam os reis, e quem eram os reis ele não sabia, e de repente havia um reino e súditos e uma rainha e plebeus, muitos plebeus, o mundo é feito de plebeus e de elementos químicos, e os plebeus são a tabela periódica e ele achou que tudo isso não fazia sentido, nem sentido fazia, não fazia sentido, não tinha lógica, nada mais tinha lógica, deixava sua mente fazer divagações loucas, como um parque abandonado arenoso, ou seria uma casa de shows, um sítio de espetáculos, onde havia uma parede tombada cheia de holofotes que não funcionavam e havia uns esqueletos cubóides, é, umas barras de ferro preto que juntas formavam cubos, cubos, eram cubos, como jaulas, mas só tinha as arestas e uns outros eixos, ou talvez não tivesse eixos, sabe, sem eixos, sem eixos, só arestas e vértices e fórmulas e remédios e velhice e morreu.

sábado, 15 de novembro de 2008

Título é coisa de comunista

Este texto não pertence ao desafio de títulos.

Este pequeno conto foi baseado num sonho que tive esta semana. É um tanto mais creófilo, mais violento, mais sanguinolento, mais perverso, mais twisted que meu costume. Que isso lhes sirva de precato. Não tolerarei comentários cujo principal objetivo seja advogar pela moral e pelos bons costumes ou qualquer palhaçada do gênero. Aceitarei, evidentemente, críticas ponderadas e justas de gente inteligente que saiba ler e escrever adequadamente, pois são eles os verdadeiros críticos. (Isso deve limitar o número de comentários, que já não é lá assim tão alto.)

Numa noite cor de sangue, a campainha tocou em sua casa. Ele se levantou do sofá, sacudindo a inércia que se alastrava sobre ele como um tumor maldito nas horas de televisão. Deu passos arrastados na direção da mesma porta de sempre, hoje mais vermelha que o costume.

O corredor era como uma artéria pulsante, vívida, sangüínea, vital. Perante si viu o menino, aquele mesmo de sempre. Sua pele alva estava coberta de chagas, arranhões, hematomas, cortes, pequenos riachos de sangue seco. Sua boca estava particularmente monstruosa, inchada e dormente, dando uma feição de alucinação febril ao seu rosto.

Sua expressão era distante, ao contrário do costume. Falou, uma fala escarlate, sangüínea: “Preciso...”, balbuciou, deixando sair da boca machucada um spray de sangue úmido e quente com uma tossida rouca e um assobio débil da garganta. Não conseguiu terminar a frase, mas estava óbvio que precisava entrar.

Fechou a porta atrás dos dois e viu o garoto sentado no chão em posição fetal, os braços arranhados abraçando as pernas, seus joelhos à mostra. Talvez balançasse para frente e para trás, mas podia muito bem ter sido a pulsação orgânica e rubra da noite.

“Os vizinhos...”, deixou sua garganta dar um assobio desesperado, “não me deixaram ficar lá”. Não sabia o que isso queria dizer, mas era evidente que não podia ficar com seus pais. Algo devia ter acontecido. Murmurou qualquer coisa incompreensível, um murmúrio agoniado e primitivo de dor.

“Vou pegar remédio para você”, disse. Não sabia por onde começar. No armário do banheiro todos pareciam pouco demais. Todos os rótulos eram vermelhos, laranja, coral, as letras eram embaçadas e se misturavam num borrão fosco de sangue e angústia. Pegou todos os remédios e os jogou no chão próximo ao menino, que formava um rastro vermelho do balanço demente.

Não sabia o que fazer, não sabia. “Passa pra mim”, ele roncou, escarrando um borrifo vermelho e aguado no chão. Agachou-se próximo ao menino e pegou os remédios, um por um, para aplicá-los à pele dele, outrora alva e imaculada.

Ele ficou nu com suspiros coagulados de uma dor pesada, e ele aplicou todos os líquidos estranhos às feridas latejantes do garoto. Ele chorava e berrava tanto que parecia que fez sua garganta sangrar, tamanha era dor. Passou os remédios e o menino simplesmente jazeu no chão, um corpo ofegante de olhos vítreos e sem vida, de imobilidade ocasionalmente interrompida por um espasmo insano.

Teve vontade de lambê-lo, de saborear as feridas, de sentir em suas papilas o gosto ferroso do sangue, do sangue do sangue do sangue, queria limpá-lo, queria lavá-lo, queria possuí-lo. Era algo de sangüíneo. Sentia-se um monstro suando um fetiche cruento e nojento. Mas era tudo muito duvidoso, e muito vermelho muito sangüíneo muito machucado.

Observava-o desmaiado sobre o chão frio que maltratava as feridas vivas do garoto; deixou-se levar pelo raciocínio e tomou um banho, tomou um uísque. Acalmou-se. Nesse pesadelo de sangue e anti-séptico, era vermelho e era o sangue.

sábado, 8 de novembro de 2008

[Desafio] O belíssimo dia em que o sol se levantou e a manhã não nasceu

1. Luz

Na luz há fótons.
Os fótons são partículas elementares.
Eles trazem consigo a energia luminosa
E a energia eletromagnética
De todos os cumprimentos de onda.

2. Quarks

Quarks são pequenos e úteis.
Compõem os hádrons, dentre os quais estão prótons e nêutrons.
Down, up, charm, strange, top, bottom
São seus tipos.

3. Sol

O Sol é uma estrela.
Estrelas são enormes e
Massivas bolas de plasma.

4. Manhã

Manhã é a parte do dia em que
Nasce o Sol, ao leste.

5. Dia

Período de uma rotação da Terra em torno de seu eixo.

6. O dia do título

Foi quando Dona Helena, a primeira a acordar na aldeia, levantou-se do colchão macio e vazou para fora das cobertas quentes e viu que não havia luz. "Onde 'tão aqueles fótons da peste?", pensou com seus botões.

Foi aquele dia em que ela coçou o buço e logo viu que havia algo fora do lugar. "Opa," sussurrou para si própria, "onde será que 'tá aquela bolota de plasma dos diabo?" Foi até a janela, absoluta, anti-quântica, e tava "tudo um breu danado, meu bom Jesus amado!"

Nesse dia, seus ups e downs continuavam ups e downs, mas seu spin era strange. "Virge Maria, vai ver que o eixo emperrou?" Foi ver se havia óleo para eixos de rotação. Estava em falta, mas quem sabe o Seu Valdir tinha.

"Seu Valdir, acorda Seu Valdir", berrava Dona Helena. Acordou Dona Hermengarda, Dona Lisandra, Seu Jasão, Seu Jonas e a Laila. "Mas qu'é isso, Dona Helena, co'esses barulho a essa hora da manhã, a senhora bebeu, foi?"

"Que bebi que o que, Seu Valdir!", ela retrucou de volta. "Olha o céu, peste!"

"Eita ferro"

"Pois não é que 'tá tudo escuro, home!" Dona Hermengarda esganiçou. "Minha Santa Genoveva, será que deu problema na fusão de hélio?" Acordou o Seu Hélio. "Que barulheira é essa aqui nessa budega?"

"É que o Sol 'tá mangando de nós, Seu Hélio", Dona Helena explicou, arrazoada. "Escuta, Seu Valdir, heim, Seu Valdir, heim! O senhor não ia ter um óleo de eixo planetário aí não, né?" Fez um charme.

"Não é que sobrou da última vez?"


7. Saga

Eles viajaram até o templo de Atlas, onde bateram um papinho com o Beto. "Será que você podia ver a chave pra nós passar um oleozinho no eixo e o dia nascer?" Perguntou Dona Lisandra. "Ih, vai ser difícil, mulher", ele respondeu. "Tem que ir lá no departamento do Gal", ele disse, "mas eu acho que ele 'tá viajando, é".

"Tu não 'tá de broma co'a gente não, é?" Seu Jasão desafiou. "Que eu de broma ora veja lá minha cara de broma". Se meteram numa discussão, Seu Jonas os separou e disse: "Pára de brigar que a gente tem que ver de achar o protocolo com Seu Bór"

Foram até o escritório do Bór, mas ele estava almoçando. Quando, finalmente, ele chegou, todos fizeram grande festa. Ele lhes deu o protocolo, e a Laila, a mais jovenzinha, foi quem escreveu tudo com a letra redonda dela. "E agora?" Quis saber Dona Helena.

"Agora eu envio o protocola, oras. Sangue de Jesus tem poder, quanto papel, minha Nossa Senhora de Lourdes!"

8. Conclusão

Deu no que deu, conseguiram passar óleo no eixo do mundo, mas tão tarde que já era meio-dia.

E eu digo pro meu povo:
Essa história assim e assado,
Quem quiser ouvir de novo,
Vai ter que pagar dobrado!





Proposta:
"Os 11 motivos do jacaré"

Emenda

Victor e eu alteramos as regras do jogo-desafio corrente (por meio deste, Cássia, esteja devidamente precatada):

No lugar de, ao final de cada novo texto pertinente ao desafio, escrever-se uma nova proposta, é tido que seja lançada UMA nova proposta APENAS quando se houverem escrito DOIS textos, um relativo a cada desafio.

Exemplifico: já escrevi "O fim de uma era" e vou escrever aquele do sol que nasce mas não nasce, e somente uma proposta será encaminhada, ao final do segundo texto.

Isso porque notamos, eu e Victor, que, se a cada nova proposta surgissem dois textos, cada um com uma proposta diferente, a quantidade de textos aumentaria em progressão geométrica (se, obviamente, todos respondessem todas as propostas- o que não é compulsório, mas uma prerrogativa justa). No novo formato, a quantidade de textos a serem escritos manter-se-á a mesma, colaborando com os amiguinhos.


Mm. Isso aí.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

[Desafio] O fim de uma era

No tempo que a grama crescia, verde, ostentosa, grama, centímetro a centímetro, viu o mundo. Coisas aconteceram, pois não antes, com as mudanças se muito encantava ela, assim, verde, grama, discreta, silenciosa. Lá quando a família da piscina veio estava, pés de criança; da borracha, o cheiro, o látex. D'escola foi que não ouviu a festa que o adolescente fez, mas isso sim, banho de cerveja levou.

Tomou graça das loucas do casal do cachorro; tomou ojeriza do cocô fedido, fedido. Tão enfim não mais, era grama, verde, loura, coisa, grama. Que ainda não tudo, coisas maiores viu! Viu mudanças, viu mudanças. O novo presidente, há lá levado consigo. Revolucionou ele, fez ainda mexida, sutil tanto quanto!

Sussussuou e fralaralou dos ventos, aquilo, que ventos! Levou mais banho foi, na água. Presenciou e sofreu com a limpeza; uma lufa-lufa baratébria; bradaria. Só que é paciente. Ter final é grama, verde, grama, velha. Esqueceu a outra parte, nina, e agora só lhe restou correr o resto do tempo em trepa.

Mas um dia acabou a piscina e os pés e o látex e a cerveja e o casal e o cocô e o presidente e os ventos e a grama, a que o homem veio aparar e levantou percevejo. Acabou a grama, verde, garapa, dilacerada, grama, morta.

O fim de uma era. O fim da era da grama. Aliás, outras gramas, mais verdes, estão por vir. Mais verdes, mais grama, mais centímetros. Se lhes baste que a espera!



Proposta:
(veja elucidação no post seguinte -- a proposta deste texto será a mesma que a do próximo)

domingo, 2 de novembro de 2008

[Desafio] O motorista e a omelete

Mesmo que não fosse dos grandes chefs de cozinha franceses, ele arriscou fazer sua primeira refeição por conta própria, afinal ou assim era ou morreria de fome.
Era seu primeiro dia sozinho em casa e até então tudo havia corrido bem, o que era bem lógico, pois acordara havia uns trinta e sete minutos. Como não morresse, tudo havia corrido bem. Ótimo.
O recado na geladeira era tentador: "Querido filho, mamãe foi ao médico e volta tarde. Tem arroz na geladeira. Asse uns nuggets para você. Te amo!", mas ele buscava mais.
O arroz, tudo bem, estava pronto. Mas como acompanhamento...
Recusava-se a preparar aqueles frios empanados no forno elétrico, apesar de já ter feito isso uma boa dezena de vezes.
Hoje era um dia especial. O dia da sua libertação, quando das suas mãos sairia o alimento necessário à sua vida. Épico!
Metódico como um cientista, o menino de 13 anos colocou sobre a bancada tudo o que precisava para sua aventura culinária: ovos, presunto, colher de pau, queijo, prato, manteiga, sal, frigideira e coragem.
Acender o fogão era simples: já havia visto a mãe fazê-lo várias vezes.
Findo o desafio de controlar o fogo (já se sentia tão superior aos homens das cavernas, o menino!), copiou com cuidado a memória dos gestos da mãe.
Nada havia de complicado. Precisou apenas pôr a manteiga na frigideira, colocar a frigideira no fogo, bater os ovos no prato (ai, que dor!), derramar com leveza os ovos batidos na frigideira, despejar um pouco de sal sobre os ovos batidos, esperar o ponto, virar a omelete e voilà! Estava pronto seu divino acompanhamento.
O resultado, para o pequeno, fora tão delicioso que, apesar da pouca experiência em cozinha, já não se considerava um reles "piloto de fogão".
Era um motorista!


Proposta:

O fim de uma era

[Desafio] O motorista e a omelete

- Amor...amor...eu ‘tô com um desejo..

-

Odair trabalhava naquela casa havia alguns anos. Recentemente, com a gravidez da patroa cada vez mais perto do fim, recebia extra pra ficar de prontidão todas as noites, em caso de alguma emergência. Como a gestação vinha sendo tranqüila e nada tinha acontecido, o motorista geralmente passava as horas dormindo no quartinho ao lado da garagem. Assim, foram precisas três ligações para o rádio para que Odair quebrasse sua rotina e acordasse, dizendo um oi rápido e sobressaltado.
- Odair...temos problemas.
- Aconteceu alguma coisa com a Dona Martha, patrão?
- Não exatamente, ela...ela..quer um omelete
- Ahn...desculpa a indelicadeza, Seu Roger, mas o senhor não acha que pra isso era melhor ir pra cozinha?
- Então, esse é o problema... Não tem ovo em casa- Odair ficou em silêncio, percebendo o que viria a seguir- Você se importaria de ir ao mercado?

-

Ir ao mercado seria uma coisa simples e fácil, não fossem alguns detalhes.
Naquela parte da cidade nada era perto a ponto de se poder ir a pé. Como se isso não fosse o suficiente, os ricos da região, como Seu Roger e Dona Martha, gostavam de ter suas mansões em lugares ainda mais longes e isolados. Em conseqüência, as compras da casa eram normalmente feitas por telefone, ou tinham um dia inteiro reservado para fazê-las.
Comprar um ovo naquelas situações era uma tarefa quase hercúlea. Olhando para o relógio, Odair viu que eram 3 horas da manhã. De um domingo. Suspirou e ajustou sua armadura - uniforme completo com gravata, luva, sapatos lustrosos e quepe - e partiu rumo ao seu primeiro trabalho.

-

Quando Odair encontrou um mercado 24 horas se sentiu muito sortudo. Tão sortudo que nem ligou para os olhares estranhos que recebeu dos funcionários, alguns deles quase dormindo recostados nas prateleiras. Terminou de depositar os ovos sobre o caixa e algo lhe ocorreu. Encostou o quepe no peito, pediu à caixa que esperasse e pegou o rádio.
- E então, Odair, 'tá chegando?
- Na verdade, não, 'tô no mercado ainda...mas é que..a patroa quer omelete de que?
- Como assim, Odair?
- Tem tudo que precisa na casa? Sabe como é né, senhor, omelete não se faz só de ovo...

-

Dirigiu muito mais rápido do que o recomendável - o pedido havia sido feito já há um tempo e ninguém queria uma criança nascendo com cara de ovo- e saiu do carro já passando um rádio para o chefe.
- 'Tô chegando co'os ovos, patrão!!- silêncio e suspiro pesado do outro lado e Odair parando no meio das escadas
- Que foi, Seu Roger? Dona Martha perdeu o desejo?
- Não, não, antes fosse. É a Rosa, Odair. Eu esqueci que a Rosa tá na casa dela hoje.
- ...e qual o problema nisso?
- eu não sei cozinhar.

-

Odair então se viu tirando o casaco e levantando as mangas, ligando o gás e arrumando as coisas na bancada. Olhou para tudo alguns minutos, viu a graça da situação e começou o segundo trabalho.
Quebrou três ovos num prato e misturou bem a clara e a gema com um garfo (movimentos circulares, movimentos circulares, movimentos circulares). Colocou a frigideira na primeira boca do fogão, adicionou um pouquinho do óleo e depositou metade do conteúdo do prato e, em seguida, os complementos. Arrumou pra que ficasse o mais redondinho possível, esperou um pouco e virou. Esperou mais um pouco e tirou da panela, botando num prato limpo. Colocou mais óleo e a segunda metade do conteúdo do primeiro prato e fez tudo de novo.
Sorriu para sua obra prima.

-

Nem cinco minutos de fogo aceso depois, Seu Roger abriu a porta do quarto e se deparou com um Odair impecavelmente uniformizado carregando uma bandeja de prata com dois omeletes, um copo de suco de uva e alguns dos docinhos do pote da cozinha. Sorriu para o motorista, que também mostrava os dentes, e pegou a bandeja de sua mão, murmurando um obrigada e anunciando a esposa que seu 'desejo' havia chegado.

-

Odair estava cansado e já com a gravata frouxa quando recebeu o que esperava ser o último rádio da noite lhe comunicando que fazia 'o melhor omelete do mundo', nas palavras de uma grávida faminta.
Olhou para a pia ainda desarrumada e sua barriga roncou.

Hora de fazer outra omelete.

-


Proposta:
O belíssimo dia em que o sol se levantou e a manhã não nasceu

sábado, 1 de novembro de 2008

Não escreveu o título

Escreveu uma página em branco e acordou no dia seguinte. Não viu as roupas suadas largadas pelo chão do quarto, não tropeçou em nenhuma delas. Tomou banho, tomou café. Saiu de casa, entrou na van. Coisas da classe média. Esperou que ele chegasse, quis que se sentasse ao seu lado, onde sempre se sentava.


Seus olhos não se encontraram. Suas mãos não tatearam o medo e o suor e os sonhos. Ele não falou que queria tê-lo, que queria amá-lo, que lhe queria, lhe queria demais. Ele não segurou em sua mão, não a acariciou com a sutileza da beleza da inércia juvenil, e ele não gostou de ter sua mão tão ternamente tocada.

Não se olharam de novo. Ele não lhe deu a página em branco que escrevera, ele não a leu e não fez silêncio, um silêncio plano e estático. Ele não fez uma cócega nos seus lábios com a pontinha dos dedos e não disse que queria beijá-lo. Ele não o beijou. Eles não se beijaram. Eles não se abraçaram.

Chegaram ao destino final. É aqui, é o último dia em que se veriam. Não deram uma última olhada, não deram um último beijo, ornado com um último suspiro de saudade antecipada. Levantaram-se e não se despediram. Nunca mais se viram.

E ele nunca mais viveu.






Título para o próximo texto: "O motorista e a omelete"

Primeiro grande desafio

Num momento de inspiração, passou-me pela cabeça propor um pequeno desafio aos bravos blogueiros que resistiram e continuaram escrevendo aqui. Nada muito elaborado ou complicado.

Funcionará da seguinte forma, com as seguintes regras:
O blogueiro deverá sugerir um título para que o próximo postante possa desenvolver um texto (seja ele uma dissertação, um conto, uma crônica ou um poema) em cima da proposição.

1) A proposta só poderá ser feita após um texto pertencente ao desafio, salvo o primeiro.

2) A postagem do texto será feita com a seguinte formatação:
[Desafio] Título sugerido

Texto.

3) Outros textos, fora do desafio, poderão ser postados.

4) Limite de DOIS textos por título, seja ele da mesma pessoa ou de pessoas diferentes.

5) Aquele que postou a sugestão NÃO poderá se utilizar desta para participar do desafio.
Talvez depois.

Boa verborréia, meus queridos :)