Desafio da Última Linha

Acompanhe aqui as sugestões de cada um:

Desafio dos Neologismos - Encerrado
Desafio dos Títulos -Encerrado


segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

[Desafio] Me chama de chão!

tomei tua cachaça pra ficar sóbria o bastante para talvez te esquecer, mas, e agora, o que me resta? umas roupas rasgadas no armário, umas poucas idéias na cabeça – dentre as quais você vaga e não sabe – e teu cheiro permeando a minha sala, que eu não arrumo desde que você veio aqui, a vez em que eu atingi tal êxtase que, desde então, acabei por me esquecer de viver – mas não de você – até que cheguei no ponto em que me encontro agora, mesmo que não entenda muito bem onde estou; só você sabe o que acontece comigo no momento, porque você está dentro de mim (não literalmente), meu bem, então te peço: me explica. me conta o que eu faço agora que você não está aqui pra que eu seja sua, pra que você me arranhe, pra que você me (sub)meta; eu que por muitas vezes fui teu capacho, aquilo em que você escarrou e cuspiu e bateu e agora simplesmente descarta como algo que te dá asco, nojo, repulsa; me conta o que eu te fiz pra que agora estejamos os dois nessa situação – na verdade, para que eu esteja nessa situação, porque você deve estar muito bem onde quer que esteja e eu, estou muito mal, onde quer que eu esteja, porque não sei – me conta o que eu te fiz pra que agora estejamos os dois nessa situação;
liga pra mim, mas se não ligar, me liga pra dizer que não vai ligar e, se resolver vir aqui, venha descalço e, por favor, não pisa em mim, mesmo que lembre que eu sinto um prazer monstruoso e vil e gosto quando você me chama de chão,

domingo, 28 de dezembro de 2008

Comunismo, e o porquê de não ter títulos

Não há Gorbatchev, Muro, Embargo: no final das contas, o Comunismo consome a si mesmo como uma vela. Até queima quem for idiota o suficiente para pôr o dedinho ali. Pelo menos o Capitalismo sobrevive a si mesmo.

Nesse sentido, o Capitalismo é como um emo, sempre se cortando, às vezes de leve, às vezes mais gravemente, mas sempre se recuperando. Já o Comunismo, ah, o Comunismo é como um roqueiro que começa bombando, exagera e morre num anominato entorpecido e decadente.

Bem feito aos idealistas idiotas, é tudo o que digo.



E "Long Live Santa Claus".

Esquina

Era um papo de manhã de Natal com minha mãe subindo a General Roca a caminho do metrô quando vi, encostado à parede externa de um daqueles bancos, se não me engano um Bradesco, um menino de rua, encolhido, agarrado às próprias pernas, chorando. Lispectoralmente, não paramos de andar. Minha mãe notou e fez sua usual expressão de pena, angústia, seeupudessefazeralgoarespeitismo. É uma pena, realmente. Não quis pensar em nada, mas sabia exatamente no que não pensar. Você sabe do que estou falando.

Como sou hipócrita, falso, consumista, egoísta, materialista, despreocupado, distraído, ocupado, sem tempo.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Do fundo do baú ou Relíquia ou Devaneio ou Família ou, simplesmente, "II"

Cabe dizer que esse texto foi escrito por mim há quase dois anos e encontrado há quase dez minutos. Não vou corrigir possíveis erros de português. Deixarei tudo aqui, original, copiado e colado.

Hoje, num estado levemente alcoolizado, parei por alguns segundos e refleti sobre meu primo. Na verdade, refleti sobre a curiosa maneira na qual ele se alienava dos acontecimentos do mundo.
Talvez por morar mais longe ou por puro capricho, ele tinha uma maneira peculiar de se ausentar de todo e qualquer problema referente ao mundo.
Nunca o vira falar sobre a AIDS na África ou o aquecimento global. Suas histórias mexiam com minhas emoções - fossem elas as tristezas, as alegrias ou as surpresas - mexiam com minhas emoções de um modo estranho, como se ele nunca tivesse sabido de tais problemas ou ainda que estes nunca tivessem acontecido antes.
Ele falava sobre coisas julgadas na maioria das vezes banais, como as músicas que ele compunha, as aventuras de mais um dia na roça - ele mora numa região meio interiorana do Rio de Janeiro, mesmo que estude Matemática no Centro - e todas essas histórias me cativavam como se eu não tivesse mais nada a me preocupar, apenas seus quase-problemas.
O curioso de tudo é que sempre cobro das pessoas uma certa carga de problemas, mas dele, justamente dele, nunca me passara pela cabeça perguntar o que isso tudo tinha a ver com a problemática atual do mundo.
Não que ele fosse bom contador de histórias - aliás ele o fazia de uma maneira tão ruim quanto a minha: cheia de interrupções, mas estas eram de uma alienação tão curiosa que me deixavam à parte de todo aquecimento global, toda fome, tudo.
Ele compunha músicas - sim, meu primo é o que se pode dizer de um poeta....uma pessoa poética talvez...com uma poesia ímpar de alguém que não se preocupa com o que acontece com o mundo atual, mas não causa diferenças gritantes na não-preocuoação sobre um pé-de-cana, ou sobre alguma coisa em inglês furado,ou ainda sobre amor e falta (falta essa de preocupação para com o amor?)
Lembro de um trecho de uma música que dizia alguma coisa sobre "cantar uma música sobre você num bar vazio e, ao abrir os olhos, não haver mais ninguém ouvindo".

Enfim, meu primo é uma pessoa curiosamente peculiar.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

[Desafio] Cancelado Devido a Chuva

Sabe aquele momento em que sua vida será resolvida? Pois bem, era no qual ela se encontrava. Doze anos sem vê-lo. Doze anos a esperá-lo. E finalmente acontecera.

Construíra uma vida, é bem verdade, e uma boa. No entanto, nunca vivera. Escolhera um marido que não se importava com suas ausências mentais, seus filhos achavam que era só seu jeito de ser. Depois de tanto tempo, ninguém se importava mais em interrogá-la, ninguém se lembrava mais como ela era e suas distâncias passaram por envelhecimento. Quisera ela ter se tornado tão sábia quanto a consideravam nesses momentos. Pouco era necessário para desencadear seus devaneios. Por vezes, o barulho do vento era suficiente.

Questionara-se, também, há tempos, se não estava enlouquecendo. Concluíra que não. Se enlouquecesse, o estado senil impediria a saudade de sufocá-la nesses momentos. Além do mais, não tinha status para tal. Não fora tão culta ou tão altruísta que lhe garantisse o direito.
Perdera-se em devaneios mais uma vez. O tempo estava passando e, se queria alcançá-lo ainda nos portões da cadeia, deveria sair agora. Olhou pela janela e percebeu que o motivo de seu retorno à realidade fora a chuva torrencial que caíra sem aviso. Sempre havia chuva nessa época do ano. Fora nessa mesma estação em que se conheceram. Ela o viu pela primeira vez saindo de seu escritório na praia do Flamengo...

Pronto. Voltara a seus devaneios.

Quanto ao momento em que sua vida seria resolvida? Cancelado. Até a próxima lucidez.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Quatro parágrafos para te salvaguardar

Quando as sirenes chegaram e te levarem a outro lugar: lembra meu rosto te dizendo adeus, lembra minhas mãos, agitando o vento da gare. Congela aquele instante, porque eu, eu vou me salvar; e tu, eu não sei.

Escondi as provas num caminho isolado, numa cabana abandonada na floresta; lá onde as sombras desenham contornos na terra. Procura na escrivaninha mofada, uma das suas gavetas conterá tudo o que ninguém pode ver.

Não te preocupes: guardo comigo uma foto tua antiga, em que me olhas um sorriso descabelado e desconfiado. Está na minha carteira, aquela velha de couro falso; o tom sépia do teu rosto vai me fazer esquecer a fuga.

Pensa bem, meu amor, nosso romance será escrito pelo telefone, entre orações bêbadas e arrependimentos, e descuidos, e confissões chorosas. Construiremos, pensa bem, um legado de saudade e crime, a nossa história.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

No elevador

De início houve o estranhamento, que não foi mútuo por razões óbvias.
Edward Meener encontrava-se num elevador fechado, levemente escurecido pela falta de uma lâmpada e ao lado de um morto.
Havia um morto ao lado de Edward, em cima de uma maca, sem razões lógicas e plausíveis.
A situação era absurda como um sonho, pois ninguém deixaria um morto numa maca subindo e descendo os elevadores do único prédio residencial da Tina Ulson St.
Mas era real.

Depois, houve a dúvida.
Há quanto tempo estaria ali. Quem era.
Nunca vira o indivíduo no prédio - não que fosse dos vizinhos mais sociáveis.
Porque ali. Porque não tomei as escadas.
A resposta desta, entretanto, era simples: eram quarenta e cinco andares. Ir de escada era simplesmente exaustivo demais.
Pois então, que aceitasse o castigo divino à sua preguiça: andar no elevador ao lado do morto.
Estaria mesmo morto.

Então, houve o medo.
O medo não precisa de explicação, porque todo o mundo teme a morte.

E houve a espera.
Quarenta e cinco andares que não passavam nem sob toda a reza que Edward Meener fazia. É claro que era da boca para fora, por que ele nunca acreditara nessas coisas de deuses.

E houve a esperança.
Quando o elevador se aproximava do andar, ouviu-se um baque surdo e ele parou.
Que piada: entre dois andares, dentre eles aquele no qual Edward sairia do elevador rumo à sua liberdade.

Então houve o terror, que vem do medo, que não precisa de explicação, porque todo o mundo teme a morte.

E mais espera houve, mas dessa vez ela não vinha acompanhada de reza. Era acompanhada de um Edward encolhido no canto do elevador, de modo que não mais conseguia ver o morto em cima de sua maca.
O morto causava um pânico tremendo nele, mesmo que não movesse um músculo.

E houve a esperança, mais uma vez.
O elevador voltou a funcionar, ao mesmo tempo em que se ouviu uma voz amigável e feminina dizendo que houve uma rápida queda de energia e que tudo estava sob controle.

Enfim, houve o alívio, porque Edward saiu do elevador (incrivelmente suado) e tomou o rumo que tomaria normalmente, ainda um pouco abalado e sem nenhum arranhão, até porque não havia a possibilidade.
Porque o morto continuava sem mover um músculo.

sábado, 13 de dezembro de 2008

[Desafio] A Máquina do Mundo

Disse: "eu sou a máquina do mundo",
Inclemente, sem dó, enfiou a faca.
Lâmina de pureza, era uma estaca
escarlate no corpo moribundo.

Parou e viu a nascente de morte,
Que num riacho se desenvolvia.
Engrenagens de inércia e mais-valia
Escorriam da chaga fina, o corte.

Desceu as ancas, formou-se num lago.
Viu tudo, entendeu tudo! Era o norte!
"É o saber e a verdade que trago!"

Larga a faca e sai louco, vagabundo.
Sirene, dinheiro, mentira, morte:
Ia encontrar a Máquina do Mundo.



Meu desafio:

"Cancelado devido a chuva".

O pornógrafo

Nas ruas elétricas de uma megalópole abandonada corria o pornógrafo por debaixo de chuva forte atrás do ônibus respirando fumaça e ondas de rádio no concreto plúmbeo industrial molhado de lama cinza, atrás da virtude roubada dos velhos tempos dos sonhos siderais de uma sociedade branca espacial, sua calça jeans suja da velha água roedora dos bueiros malcheirosos, suas meias de algodão processado ensopadas num incômodo carbônico.

Corre, pornógrafo, você chega lá.

O condutor se comiserou e parou o veículo metálico com um ganido desproporcional de efeito cinematográfico e o pornógrafo entrou no ônibus com um falso sorriso de alívio e arrogância, despejou sobre os ásperos calos do trocador o dinheiro com cheiro forte de níquel velho e forçou seu corpo oncológico a girar a roleta sólida com um ruído estridente de passagem para se sentar num banco rasgado com pixações profanas perto de uma janela quebrada com um puxador que parecia cortante.

Espera, pornógrafo, você chega lá.

Foi assolado por pingos finos e gelados de uma chuva corrosiva durante toda a viagem até chegar ao ponto de ônibus de sua casa e desceu para acelerar o passo fatigado da rotina de nojo até o portão do prédio, tateou pela chave de alumínio no bolso do sobretudo e abriu a porta com triunfo prosaico de desconcerto para ver o apartamento adstrito empoeirado e mal iluminado com um único foco de luz amarela débil e vacilante como o instinto e a moral.

Arruma, pornógrafo, você chega lá.

Tomou coragem e pôs-se a organizar a mobília e os objetos e a tirar o mofo parasítico de sua morada suja durante toda a madrugada enquanto trovões reverberavam zombarias e relâmpagos crebros discotecavam num pulso narcótico e limpava, esfregava, cuspia e suava com a obstinação quase demoníaca de um obsessivo recém-descoberto, tudo para que pela janela entrasse a manhã sadia e arrumada e as buzinas descompassadas da impaciência do dinheiro.

Descansa, pornógrafo, você chega lá.

O corpo envelhecido exausto se atirou no sofá há pouco ajeitado e deixou-se respirar da atmosfera metropolitana poluída e pervertida de desapego e egoísmo num desvario gosmento de roncos e câncer enquanto um assobio lúgubre escapava e se recolhia dentro de seus pulmões tomados por velhas cinzas contumazes de uma juventude ébria em excessos e vaidades e loucuras mórbidas.

Dorme, pornógrafo, você chega lá.

Enterrado na terra viciada pelo esforço exacerbado de demência moribunda sua carne acre era digerida pelos vermes hiantes que salivavam ácidos acerbos nos esfumaçados globos hialinos de devassidão e de doença que em breve seriam litocarpos infames a tropeçar para dentro de um oblívio edáfico de podridão das obsecrações obliteradas dos perdidos e dos fracos das cidades de pornógrafos.

[Desafio] Me chama de chão

Me chama, me chama de novo (grita o meu nome), me pisa, me arranha (arranha a tua garganta), me berra, me brada, me urra, me morde, me dói, me machuca (grita o meu nome mais alto) (urra o meu nome).

Me sê, me entra, me dá, me recebe, me sai, me everte.

(Deixa eu ser teu, teu pertence, todo teu, teu todo, tua coisa, teu objeto quotidiano, tua coisa de cumprir tarefas).

Me usa, me usa, me usa, me faz, me compra.

Me rasga, me rabisca, me contorce, me distorce, me fode, me sua, me respira (entra), me constrói, me destrói, me constrói, me destrói, me desdiz, me desfaz.

Me arrasa, me amputa, me arranca, me afasta, me aposta, me atesta, me estaca, me esfaqueia, me atira, me olha, me pisca. (Rasga o meu nome enclítico).

Me sê, me está, me tem, me põe, me tira.

Me joga, me quebra, me ri, me gargalha, me chora, me pranteia, me prateia, me enterra, me cospe, me mija, me assa, me dorme.

Me olha (com desprezo), me vai, me vem, me escolhe, me traz, me leva, me escolhe, me traz, me leva, me vive.

Me pisa, me cala, me chama de chão.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

[ Desafio ] O Fim de Uma Era

Estou contando os dias para que tudo acabe, e sei que será um momento feliz. Se eu bebesse provavelmente estaria programando a bebedeira do século, porque esse ano já deu tudo que tinha que dar e mais um pouco, e eu estou cansada.
Mas é aí que entra a parte chata, e não me refiro a minha abstinência alcoólica. Quando janeiro chegar e eu fizer o que vai ser a última prova do ensino médio eu vou dar adeus a 12 anos da minha vida.
Por sete desses anos, eu tive a companhia de algumas pessoas que, pra mim, são as melhores do mundo. Três desses sete foram os melhores que eu poderia desejar, e digo isso pesando o bom e o ruim. E, em um dia, tudo vai acabar: eu não vou mais vestir a velha camisa branca, não vou ver as velhas pessoas, não vou passar pelos mesmos lugares.
O Adeus sempre pareceu complicado pra mim. Agora eu me vejo chorosa, sofrendo de saudosismo antecipado, querendo rir tudo que ainda não ri. Fico pensando no que vai acontecer daqui pra frente, se algo vai se salvar, lembrando de pequenos detalhes e coisas antigas que achei que tinha esquecido. Pensar no CAp é difícil. Odeio, sem dúvidas. Amo.
Foi lá que eu cresci, física e psicologicamente ( apesar de alguns afirmarem que ainda me comporto feito criança ), e se hoje eu sou o que sou, é culpa quase que exclusiva dele e de seus alunos. Vou fazer visitas nos dois primeiros anos, e depois vou parar, mas estarei no baile dos cem anos.
Vou chorar triste e feliz ao mesmo tempo. Vou levar uma vida, as melhores amizades (porque mesmo que acabem serão sempre as melhores), uma cabeça melhor, lembranças da melhor turma de terceiro ano. Vou levar fotos, nomes e histórias. Vou levar memórias e uma camisa pichada, dessa vez pra nunca mais lavar.

E vou guardar esse texto brega e cafona, que espero substituir por outro a altura de tudo que eu quero dizer.


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Proposta: Me chama de chão!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Caju.

Aula de Geografia: “Brasil vem aumentando as exportações de fruticultura, principalmente mangas, laranjas e cajus.”

Caju! Sinto meu vício reacender.

Intervalo.

Suco de caju.

Cantina. Carboidratos. Gorduras. Nocivo.

Nada saudável.

Desejo volta à caixinha do suco.

Coca-cola.

Sala.

Maldito consumo.



ps.: Mantenham os desafios durante as férias, pois pretendo respondê-los.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Aposentadoria

Venho aqui dizer-lhe o porquê de ter me aposentado assim, tão cedo. Não foi por invalidez, não foi por tempo de trabalho, não foi por idade. Aposentei-me, amigo, por excesso de humanidade.

Foi adolescente que inspirou-me a luz de tornar-me massagista. Entretanto, já em dois meses de trabalho, não havia controle emocional que suportasse meu infeliz fardo.

Talvez você, que lê, pense que se trata de uma profissão fácil, comparável, quiçá, à das prostitutas: pagas para proporcionar prazer para pessoas pesadas de tanto trabalhar. Meu dever era o de tirar o peso do mundo dos ombros dos outros.

Mas quem dera, meu caro, que fosse para sempre. Eu, ao mesmo tempo em que era anjo redentor do sofrimento alheio, era o carrasco que tinha o triste dever de retornar cada um a sua respectiva via-crucis.

Conseguia ser o criador e o destruidor das paisagens mais belas: campos de gramados verdejantes e jardins de tulipas vermelhas sob um céu azul e límpido tornavam-se novamente a selva de pedra em que cada um de nós existe.

Era a pura expressão viva do "tirar doce de criança". Para quê aliviar suas dores, se era obrigado a deixá-la no lugar onde a encontrara, como ela fosse um brinquedo com o qual brincamos, interagimos, modificamos e guardamos?

Se fui, amigo, um canal anestésico da angústia de alguém, prefiro que não tivesse feito, pois mais vale a dor que passam do que a nostalgia do que nunca poderia ter sido.

[ Desafio ] Os 11 Motivos do Jacaré

Jacaré um dia resolveu virar bolsa, dessas tipo favorita de madame que não saem de debaixo do braço. Comunicou a decisão aos amigos de espécie que prontamente lhe perguntaram os motivos. Como explicar demorasse muito tempo escreveu tudo numa lista e entregou aos companheiros, que lhe bombardearam de perguntas.
É fato que o jacaré tava se sentindo só e tinha achado na madame uma companhia mais que agradável. Os outros balançaram o rabo em negação dizendo que aquilo era motivo bem do fajuto e que tinha muita da fêmea por ali. “ Mas eu já to cansado dessas jacaré fêmeas, desculpe as amigas que me escutam, que tão com dois em cada hora e dia seguinte fingem que nem conhece quando vê passar na lagoa”. Concordaram todos que podia bem ser verdade, mas que uma decisão extremista daquelas não era necessária, que bem que ele podia se arrepender depois. Jacaré então calou todo mundo dizendo que não era nada definitivo não e , sendo o caso, era só pedir seu couro de volta e retornar pra sua caverninha lá perto da lagoa mesmo.
Prosseguiu a discussão com mais meia dúzia de motivos que a censura e o horário não me permitem dizer, mas que fez as fêmeas ouvindo revirarem os olhos “ jacarés, humpf!” (porque Jacaré não queria mais saber dos relacionamentos de jacarés, mas foi de forma bem jacaroística que essa história de ser bolsa começou.). E como os amigos continuassem a bater pata dizendo que não ‘tavam convencidos e que aquilo tava era muito mal contado, Jacaré abriu a boca e soltou o motivo final e secreto. ‘Tava era apaixonado e por demais e nada fazia ele mudar de idéia.
Passadas as horas e a despedida, a madame chegou pra buscar sua futura bolsa pra ter o couro arrancado fora, e o futuro acessório foi tão feliz e tão risonho que os de sua espécie acreditaram piamente no argumento número 10, de que Jacaré acreditava mesmo que aquilo era o que ele queria e que o deixaria muito do feliz.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

[Desafio] Os 11 motivos do Jacaré

Jacaré morava na lagoa do Tuiuiú e resolveu se mudar. Fez a burrice de contar pro papagaio, que tornou o fato comentadíssimo no reino do Seu Leão.

Como assim? Depois de tanto tempo? Que absurdo! Ninguém sai daqui! Vai nos abandonar!

Uma fuzarca geral, um auê, afinal se tratava de parte da milícia da floresta! Humano prudente não entrava na água não, só por causa de Jacaré.

Para piorar a situação, ninguém encontrava o raio do Jacaré em lugar nenhum. Perguntavam pra quase toda a fauna e nada de resposta.

E quede Jacaré? Tava em casa, arrumando as malinhas feitas todas de couro de gente, enchendo de casacos de pele, cabelo, barba, bigode e até pentelho (que horror!) tinha nas roupas.

Até que a coruja, muito da esperta, resolveu questionar o papagaio, até que se achou o Jacaré.

- Ora, que te levou a querer sair de nossa agradável companhia, seu Jacaré?
- Ih, dona coruja, as razões são muitas, mas já te digo que a agradável companhia não existe, não. Esses bichos não param quietos! Meu modo de vida não agüenta essa bagunça não.
- Mas não é só isso, é?
- Ah, dona coruja, vou te contar um segredo: ando co’as costas destruídas de tanto nadar assim.
Vou pro Nilo, pro Sena, pro Tietê, até pra Lagoa Rodrigo de Freitas eu vou, porque essas piranhas me matam!

E partiu, sem ouvir resposta e sem deixar de mandar uma banana pro macaco – ai que ódio desse mico barulhento!

O tempo passou e nem notícias do seu Jacaré, e todos (até mesmo o mico) sentiam falta do danado, até que um dia, voltando de uma temporada de férias, papagaio matreiro e fofoqueiro tratou logo de espalhar a tragédia: Jacaré tinha virado bolsa de uma tal de Madame Sofia, dona de um bordel chiquésimo em São Paulo.
O comentário foi recebido com um pio de suspiro da coruja, que virou pra papagaio e disse:


-Eu bem que ia avisar: piranha tem é em todo lugar.


Próximo título: A máquina do mundo

[Desafio] O belíssimo dia em que o sol se levantou mas a manhã não nasceu

Eu venho tentando buscar uma razão para tudo. Ando racional demais, nesses últimos dias. Preciso de uma raiz que me finque no sólido, oposta ao etéreo do meu mundo das idéias. “Árvore não voa”, ouvi há pouco tempo, numa conversa qualquer sobre exames psicotécnicos e a falta de uma linha simbolizando o chão nos desenhos representativos de árvore. Eu ando um pouco árvore sem linha de chão, por assim dizer.

Árvore que voa não dá fruto, porque não se alimenta de matéria. Não cresce. Isso talvez explique a minha súbita e irremediável falta de criatividade. Onde já se viu escrever sem linha? Deus escreve certo por linhas tortas e eu, escrevo por linhas, quaisquer que sejam.


E a minha razão precisa responder a vários porquês. Minha árvore sem chão se alimenta de porquês. Eu tenho me alimentado de porquês e de toda sorte de besteiras, das que fazem mal a longo-prazo.


Ontem terminei aquele livro de que te falei. Terminei e joguei longe – não porque desgostei, pelo contrário – joguei longe porque também estava me deixando mal. Eu tenho sido masoquista nesse ponto: me agrada aquilo que me faz mal, de livros a porquês.


Meus porquês são minha nutrição e meu veneno.


Hoje o sol levantou, mas a manhã não nasceu, não para mim. Estava quente, eu sentia, mas eu me mantive de janelas fechadas e blecaute, no meu universo, pra evitar a claridade. Passei o dia à maquina de escrever, procurando o que te digitar. Se te digito, faço-o sem linhas. Se te escrevo, busco as minhas linhas.

Eis o meu problema: Ando sem linha de chão, sem linha de escrita e, portanto, digito.


A verdade, entretanto, é que não há problema. Por que? Porque não há. Eis tudo.


O meu universo não tem chão e nunca teve, mas hoje eu percebo que eu preciso dele, às vezes. Não que isso seja um problema. Eu já te disse: não há problema.


Não enquanto eu não estiver no chão e começar a andar na linha.