Desafio da Última Linha

Acompanhe aqui as sugestões de cada um:

Desafio dos Neologismos - Encerrado
Desafio dos Títulos -Encerrado


segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Herói de ninguém

O dia havia sido cheio. Cansado, o rapaz tomou um ônibus para casa, tal como fazia quase sempre.
Já se habituara à falta de educação alheia, mas lutava secretamente para educar as pessoas, ainda que timidamente, sem palavras. Para tanto, limitava-se aos gestos - sempre amplos, como que para indicar os procedimentos corretos.
Nesse dia em especial, um mal-educado aleatório, sentado à sua frente, jogou um papel de paçoca no chão.
Vendo isso, abaixou-se o rapaz com todo o cuidado para pegar o tal lixo, apesar de estar num ônibus cheio.
Recolheu-o e o guardou na mochila. Ao olhar à sua volta, ninguém havia percebido seu inacreditável ato heroico em relação à integridade do veículo. Ele havia salvado o ônibus da total imundície e não recebera em troca um olhar, um sorriso que fosse, um apoio, um suporte para que pudesse continuar lutando em prol da limpeza e do asseio do transporte público!
Não é que esperasse algo mirabolante. Não queria nenhuma condecoração, mas não precisavam continuar todos absortos em seus pensamentos e aparelhos eletrônicos! Ser notado já seria alguma coisa.
Saltou do ônibus e pôs-se a caminhar para casa, tal como fazia quase sempre. No caminho, uma senhora com seus muitos anos o pediu para indicar o caminho da estação de metrô. O rapaz se ofereceu para acompanhá-la até a estação, já que aquela região não era a mais segura da cidade.
Como toda boa velha, durante o relativamente curto percurso ela lhe contou toda sua vida, desde os motivos que a fizeram pegar o metrô até a destinação a que ia, passando pelas razões de não pegá-lo sempre.
Chegando à estação, a velhinha se virou para ele:
-Meu querido, muita bênção na sua vida! Obrigado por acompanhar a vovó, viu? Qual seu nome? Vou orar muito por você! Porque lá na minha igreja...
E após um minuto de solilóquio, ele se despediu e ela adentrou a estação.
O rapaz não era religioso, mas uma bênção divina já era um ótimo motivo para continuar sendo gentil e educado em relação à vida. Era uma forma que ele tinha de agradecer os bons ventos que acompanhavam. Diferente, enfim, das religiões, as boas ações que fazia não eram uma forma de conseguir créditos com Deus. Estava abençoado por quem quer que fosse, mas o sorriso daquela senhora já foi tudo.
Enquanto isso, no ônibus que ele deixara, os passageiros comentavam em voz baixa: Aquele moço lá sempre pega o lixo do chão. Depois deve vender e ganhar dinheiro. Tão bonito, tão jovem e já vivendo assim. Esse mundo é muito cão mesmo.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

[Desafio] Mercado aberto

Por ser caixeiro-viajante, por muitas bandas havia passado. Conhecera muitas pessoas, travara relações, amizades, inimizades. Eram tantos rostos e tantos lugares que há muito tempo as coisas tinham deixado de lhe impressionar. Mulheres barbadas, já vira umas trinta; sereias, conhecera uma (muito simpática, por sinal), enterro de anão, já participara de vários, sendo coveiro em uma pequena parte deles, aliás.

Como dito, há muito tempo, as coisas não lhe impressionavam mais.

Mas não deixavam de lhe dar uma certa alegria secreta, porque eram a prova de que ele era livre, de que podia sair por aí como bem entendesse e levava a vida que sempre sonhara: sem raízes.

(Só que isso não interessa no momento. A felicidade dele não é o que eu quero contar. Quero contar-lhes sobre aquilo que reacendeu a chama do espanto e da inquietude dentro do caixeiro.)

A vida seguia tranqüila como sempre fora, apesar de movimentada. Ele chegou numa cidade conhecida, à noite e hospedou-se num hotelzinho qualquer. Resolveu, porém, sair à noite e aproveitar a feira noturna que funcionava na cidadela (aquela em que trabalharia no dia seguinte) sem grande compromisso. Foi se divertir, enfim.

As cores cálidas, as luzes fortes, os cheiros inebriantes, a balbúrdia dos barraqueiros, tudo era lindo e inesperado para qualquer um, exceto para ele, que lançava sobre tudo um olhar blasé, de déjà-vu, mas se divertia por dentro.

Andou mais um bocado, até se deparar com uma multidão que se atulhava numa roda, em torno de algo que não se podia ver direito do ângulo em que ele se encontrava. Foi, então, ver o que se passava. Provavelmente um grupo de palhaços ou atores.

Chegando lá, depois de empurrar fulanos e beltranos, viu que se tratava de um espetáculo não de palhaços ou atores, mas de bupons. Os bupons riam, brincavam, jogavam com os espectadores, tudo numa alegria que se espraiava para todos.

É claro que já tinha visto um bupom, mas esses eram de certa forma especiais. Eles tinham um encantamento tal que era impossível ficar indiferente ao espetáculo.

Terminado este, todos foram às suas casas, mas o caixeiro continuou lá, atordoado, atormentado. Não sabia muito bem o que fora aquilo, o que aquilo que vira tinha representado, mas isso, com toda a certeza, mexera com ele, e isso era tudo. Depois de um tempo, conseguiu se recuperar do choque e foi para sua hospedaria. E dormiu.

No dia seguinte, antes de montar sua venda, procurou saber mais sobre o grupo que passara por ali. Perguntou para outros fulanos e beltranos, mas ninguém de nada sabia. Era como se nada tivesse acontecido.

Abriu, então, a barraca e começou a vender, como sempre. Era triste, mas a vida continuava. Com ou sem a trupe de bupons.

Dizem que ainda hoje ele pergunta para todos os fregueses de todos os lugares por que passa se eles viram aquele grupo de bupons, com esperança de poder, de novo, sair do estado de indiferença que a vida viajada lhe deu.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Ode à mediocridade

Louvemos os sem-talento!
Louvemos os médios em tudo!
-Aqueles que fazem o mundo
E não se destacam em nada!

Louvemos também os conformados!
Os sem sonho, os sem garra
Os que pensam pequeno demais
E os que se contentam com pouco!

E não esqueçamos os árcades,
Que só querem uma casa no campo
Onde possam plantar o bastante
E nada de nada de mais!

Louvemos ainda os neutros!
Que se vestem em cores pastéis,
Que não chamam atenção, não fazem falta
E nem ocupam espaço!

Dêmos um viva à mediocridade!
Medíocres de todo o mundo, unamo-nos!
Para que continuemos na média
E não façamos grande coisa!

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Uma ideia que, por acaso, é frívola

Já que o desafio dos neologismos não parece ter feito muito sucesso, penso em propormos outro. Já tenho um em mente, que nos confere um pouco mais de liberdade. Enquanto isso, a todos os não-ideio-frivoleiros que por aqui passarem, peço que nos deem uma ideia para o próximo desafio. Quem sabe não é precisamente uma perspectiva externa o que nos falta.