Desafio da Última Linha

Acompanhe aqui as sugestões de cada um:

Desafio dos Neologismos - Encerrado
Desafio dos Títulos -Encerrado


quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

[Desafio] Doroteia

No meigo olhar da loura Doroteia.
Aqui me encontro, preso e refletido
enquanto a beijo. A atitude é feia
- abrir os olhos – mas é divertido
mirá-la assim a fundo, tão de perto.
E ela é linda, porra: não tô certo?

Não interessa mais: só quero o beijo,
E sentir o seu corpo que em mim roça.
Quando paramos, arrisco um gracejo:
“Você tem costas largas pr’uma moça”
Ela se ri, e me diz: “Preocupa não:
eu era campeã de natação.”

Além do nome, agora disso eu sei.
Vou lhe explicar como se sucedeu:
Ficamos rápido, nem perguntei
“Qual é teu signo? Que time é o teu?”
Afora o nome, não perguntei nada.
Nem todas são assim: descomplicadas.

Agora, conversamos sobre a vida,
e, no momento, falamos de tudo:
Sexo, carreira, futebol, bebida...
(“Conversamos”, nem tanto: fico mudo,
ela monologando, tão profunda.
Enquanto isso eu espio sua bunda)

Até presto atenção na ladainha
- eu não ouço com o olho: é c’os ouvidos,
mas não pense que ela é assim bobinha:
também me lança olhares atrevidos.
O olhar é meigo, e embora tão materna,
sei que mira o que eu tenho entre as pernas.

Cansado de ouvir e olhar, a agarro.
Ela se esquiva, e me agarra mais forte,
se achega e, então, pergunta: “no meu carro?”
(Meu Deus! É hoje o meu dia de sorte!)
E vamos, eu na frente e ela atrás
Mulher igual: não vejo nunca mais.

E estamos nessa esfregação que só,
mas algo aqui não é do meu costume...
Olhando bem... aquilo é um gogó?
E isso aqui embaixo, é um volume?
Agora sei porque igual nunca vi:
Caralho! Doroteia é travesti!

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

[Desafio] Cárcere

Queria aproveitar tudo, muito, sempre. Mas com ela ao meu lado, não aproveitaria nada, nunca. E ela me prendia. Eu era seu. Objeto único de sua loucura, objeto pleno de sua demência. Eu ainda levo nos pulsos as marcas das algemas de ferro; nos pulsos, levo a humilhação do confinamento, da privação e da escuridão. Eu não tomava sol, nunca, minha pele estava pálida -- não, esverdeada. Ainda lembro das moscas que pousavam em mim durante o dia, e eu fazia o que podia para me debater. A sujeira, Deus, a sujeira. E a comida, se aquilo podia ser chamado de comida.
Levo nos meus olhos doloridos, agora mesmo, enquanto essa lâmpada nua me estupra, as cicatrizes da clausura. Levo nos meus ouvidos, os mesmos que agora são invadidos pelo ruído insuportável dos cliques do gravador de fita cassete, os ecos das trancas, chaves e correntes do calabouço que ela chamava de quarto. Lembro da voz doce dela. Eu ouvi tudo o que ela tinha a dizer; cada palavra, cada soluço, cada perdigoto que aterissava no meu rosto e eu não tinha mãos livres para limpar.
Eu aprendi a não pedir. Eu aprendi a ficar calado. Antigamente, eu rosnava, eu grunhia, eu rugia alto, até ficar vermelho, vomitando fúria e tripas. Ela me olhava calmamente e me dava uma porrada. E depois outra. Um dia ela até levou uma faca. Foi bom para sair da rotina. A expressão no rosto dela não mudava; um meio-sorriso, uma sobrancelha erguida, o cenho suavemente franzido; e as unhas. Enquanto ela sentava na velha cadeira e me observava, ela batia as unhas no encosto de braço, o único tique-taque que ouvi, pois lá embaixo não havia relógios. Nem janelas. Eu não sabia o que era noite e o que era dia. Uma vez eu perguntei que horas eram. Prefiro não falar do que ela fez.
Agora mesmo, enquanto minhas costas são violentadas pela almofada da poltrona, eu sinto o ar parado. Aqui fora, o ar se mexe. Lá embaixo não era como aqui fora; eu só sentia vento na hora de levar porrada na cara, ou em outros lugares. Mas o meu favorito era o ferro de queimar. Ela vinha com ele -- e nesses dias o sorriso era quase inteiro -- e me deixava listrado que nem uma zebra. Nas perguntas que você faz, as palavras que você usa são diferentes. Ela não falava assim comigo. Na verdade, ela nem falava tanto comigo, mas era a única voz que eu ouvia, e mesmo sem poder responder, era o mais próximo que tinha de uma conversa.
Isso ela nunca fez, não me pergunte por quê.
Teve uma vez que ela me deu uma comida diferente. Ela disse o que era, mas eu esqueci. Tinha um gosto bom. Pensando agora, não sei se era bom mas não era o que ela costumava servir. Às vezes, à noite, isso você não pode contar pra ela, eu falava. Eu cochichava dentro da minha cabeça, bem baixinho, pra ela não ouvir. Uma vez ela ouviu, mas não pergunta o que ela fez. Não, não foi isso. Isso ela nunca fez.
Faz uns dez anos. Em que ano estamos? É, dez anos. Eu não tinha espelho. As únicas coisas que eu via eram a parede, o chão, o teto, o meu corpo (mas nunca os meus pulsos ou meus tornozelos) e ela e os nossos brinquedos. Tudo dentro da masmorra. Ela me limpava. Não sei. Não, isso ela nunca fez.
Nunca troquei. Não sei mais que cheiro tem. Só conheço o meu cheiro e o dela. Ela cheirava sempre bem, e eu sempre mal. Mas era assim que sempre foi. Ela se sentia bem do meu lado. Vivia falando isso, que eu fazia bem pra ela. Eu não lembro como aconteceu, acho que ela simplesmente me soltou. Pode ser, mas eu não tinha movimento. Todo eu era frágil, e cambeleava sem sair do lugar, era bem patético.
Não, isso ela nunca faria.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

[Desafio] Espetáculo da literatura

Havia um motivo para contar essa história, mas, temporariamente, fugiu da mente do autor. É, portanto, por isso que o mesmo será obrigado a en...treter o senhor ou a senhora até o momento em que retornará enfim o mencionado motivo, dado que sem ele não haverá a menor possibilidade de dar prosseguimento à apresentação: é da crença do autor que o motivo da criação antecede a criatura, até mesmo no momento de sua apreciação. Sejam pacientes, mas nunca haha passivos.
É preciso, ainda, que o senhor ou a senhora controle as suas ansiedades. O motivo da referida história é de suma importância, entenda, e tão logo ele se nos chegue, desenrolar-se-á diante de seus olhos aflitos um espetáculo da literatura como nunca se viu igual.
Há que se fazer uma observação neste espaço que segue: atente, senhora ou senhor, que o autor faz uso da expressão “como nunca se viu igual”, onde poderia perfeitamente ter omitido o vocábulo “igual”. Com isso, temos que não há obras da mesma magnificência da que logo chega, mas há, sim, algumas criações parecidas, todas de menor importância, note-se.
É possível, no momento, que o leitor ou a leitora não creia no autor, especialmente quanto à qualidade da obra que virá. Trata-se de uma opinião respeitável, uma vez que já se lhe foram embora alguns preciosos segundos de sua corrida vida. Respeitável, porém não menos equivocada, há que se reparar. No entanto, pede-se que a leitora ou o leitor não abandone este humilde texto, no esforço de ser recompensado com a obra-prima da literatura brasileira, quiçá mundial – se queimados dois ou três outros livrinhos.
Se o leitor ou a leitora teve a gentil paciência de acompanhar o texto até a presente linha, devo-lhe meus sinceros parabéns. É uma imensa vergonha ter de estar tão próximo, assim, desvelado e desnudado, com o intuito de oferecer tais explicações. Trata-se de uma gentileza de tamanho tão considerável que o autor se prontifica a premiá-lo(a) com um pequeno brinde, a ser retirado na recepção. Basta que lá se chegue e procure a moça morena de olhos cor-de-mel e cabelos negros como a asa da graúna, e se lhe diga a senha – que aqui convencionaremos por “nevermore”, uma palavra aleatória que me veio à mente – que ela, a moça, já se encontra informada dos procedimentos. Dessa forma, o autor não só recompensa um ato que considera de imensa honraria, mas também ganha para si o controle do número de leitores que pularem este específico parágrafo, rumo ao final da história, ávidos não pelo desenrolar, mas pelo nó já desatado.
O autor ainda não dispõe da devida informação, mas, no entanto, uma ideia vaga do que ela representaria lhe ocorre: sabe-se que a história a ser contada tem certo teor edificante, sem no entanto incorrer no pedantismo de uma história pedagógica, ainda que
Como? Não, por favor, não me faça ter de dizer isto ao leitor ou à leitora. Fará mal para minha imagem! Sim, entendo. Já tentaram de tudo? Pois certo.
O autor acaba de receber um cochicho no ouvido – quase com certa languidez, se me permite o leitor (e não a leitora) informar – da referida moça morena. O motivo nos ligou. Disse que se encontra preso num engarrafamento – fugiu, e agora não pode voltar, veja só – e não poderá chegar a tempo do fim do texto. Ele pede desculpas pelo transtorno, mas não serão maiores do que os pedidos de perdão que eu o/a peço, leitor ou leitora. O autor e toda a equipe pedem sinceras desculpas e o/a garante que seu tempo será devolvido, basta deixar seu endereço na recepção com a moça morena, que lhes serão entregues em casa, juntamente com o regalo mencionado anteriormente.
Mais uma vez, desculpas, e tenha uma ótima vida.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

[Desafio] A Sereia

Pescador da barca bela, inda é tempo, foge dela, foge dela, ó pescador!
Pescador da barca bela, se não foges, vais com ela, vais com ela, ó pescador!
Pescador: não vás com ela, lá no fundo canta ela, canta ela, ó pescador!
Pescador: não vás com ela, se lá fores, não regressas, não regressas, pescador!

Pescador: estende a vela, puxa a vara, traz a rede, traz a rede, ó pescador!
Pescador da dor singela, deixa o peixe, retrocede, retrocede, ó pescador!
Pescador: vai à pinguela, não a ouças, te arreda, te arreda, ó pescador!
Pescador: te acautela, rema forte, canta alto, canta alto, ó pescador!

Pescador da barca bela, o que fazes?, não mergulhes, não mergulhes, pescador!
Pescador da barca bela, não te leves, não me deixes, não me deixes, pescador!
Pescador que se engambela, não te afogues, pega a corda, pega a corda, ó pescador!
Pescador sem sentinela, não te vejo, me deixaste, me deixaste, ó pescador!

domingo, 9 de janeiro de 2011

[Desafio] Conto de Fodas

Ele a levou para o seu reino, onde foram recebidos com muita alegria e viveram por muito tempo depois disso, felizes e satisfeitos. Ou assim deveria terminar a história. E assim muitos acreditam ter terminado. Mas eu vou lhes contar a verdade. Uma parte da verdade vocês já sabem: príncipe conhece donzela indefesa, salva donzela indefesa, pede donzela indefesa em casamento e a leva num cavalo branco para o reino para, um dia, torná-la rainha. Mas tem toda essa história de felicidade; sabe, eu sou um cínico. Eu não acredito nessa alegria idílica, pássaros fazendo vestidos, abóboras virando carruagens.
Eu escreveria assim: ele a levou para o seu reino, onde foram recebidos com muito desgosto, porque ela era uma plebeia tosca e sem noção, e ele parecia não ver, chamaram-na de parvenue, de nouvelle riche, de alpinista social (alguns diziam que tinha maquiavelicamente fingido o incidente com o dragão para chamar a atenção do príncipe, que já o planejava há meses). Ela se recusava a satisfazer seus pedidos na cama, e era obrigada por ele, e sempre que se mostrava descontente ele dizia: "Você esqueceu de onde vem, mulher? Sabe que eu te ponho pra fora daqui em dois segundos, sua vagabunda! As pérolas, as sedas, os rubis, tudo é de família, você sai daqui tão pobre quanto eu te encontrei!" Ela era obrigada a se calar e consentir, fazendo as vontades do esposo.
Um dia, ela me aparece grávida. A rainha, a sogra from hell da pobre donzela, dando alfinetadas a torto e a direito, dizendo-lhe que não iria admitir um neto plebeu, e que era melhor que o entregasse a ela a fim de que fosse criado pela majestade. Nove meses depois, nasceu o filho caolho da plebeia, e a rainha foi às forras. Com alguns meses de vida do pequeno, a pobre donzela rezou para que aparecesse sua fada madrinha, e lhe pediu ajuda. A fada madrinha conjurou, então, um fuzil AR15, e a pobre donzela chacinou o castelo inteiro, deu aos cadáveres uma poção mágica e criou um exército de zumbis.

E viveram felizes para sempre.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Frases para o Desafio da Última Linha


Frases da Cássia


1) "E vira o coco Sinhá!"
2) "Havia um motivo para contar essa história, mas , temporariamente, fugiu da mente do autor."
3) "Ele a levou para o seu reino, onde foram recebidos com muita alegria e viveram por muito tempo depois disso, felizes e satisfeitos."
4) "Pescador da barca bela, inda é tempo, foge dela, foge dela, ó pescador!"

Frases do Pedro

1) "Havia acabado o dinheiro que Saturno deixou pra comida."
2) "A visão permite pensar, finalmente."
3) "No meigo olhar da loura Doroteia."
4) "Contra ti me atirarei, invicta e insubmissa, ó morte."

Frases do Victor

1) "Queria aproveitar tudo, muito, sempre."
2) "Lá de baixo chegava o eco amortecido do piano e do violino"
3) "[Mas] Ele comportava um detalhe que me alegrou imensamente: estava escrito em japonês."
4) "E nas mimosas lanternas decorativas somente sobressai seu esqueleto."

Desafio da Última Linha

Bom, como o desafio dos títulos acabou faz tempo e o dos neologismos parece não ter vingado, chegou a hora de propor um novo.

Regras

1) Cada um escolhe 4 frases finais de textos literários (romances, contos, poemas, etc). As frases escolhidas devem ter diferentes níveis de dificuldade: fácil, médio, difícil e muito difícil.

2) Das 12 frases escolhidas, cada participante deve selecionar 4 frases, da seguinte maneira:
- Não pode selecionar suas próprias frases
- Deve selecionar 2 frases de cada um dos outros participantes

Ex: Eu, Cássia, seleciono 4 frases, 2 do Pedro e 2 do Victor

3) O participante então vai escrever 4 textos, um para cada frase. A frase escolhida deve ser a primeira do novo texto.
Ou seja, se a frase final escolhida for "Ele saiu." o texto novo começa com "Ele saiu."

4) Não é permitido adicionar nada antes da frase. Da mesma forma, o ponto final deve ser respeitado.

Ex: -Frase: Ele saiu.

"Ele saiu. Depois disso...."

5) A fonte das frases será revelada apenas após o fim do desafio, evitando que os participantes busquem inspiração na obra original, ou tentem continuá-la de alguma forma.


Rodada Bônus

- Cada participante escreve um texto utilizando uma das frases que ele próprio escolheu no inicio.


E o desafio começa...JÁ!

p.s.: Alguma sugestão de nome pro desafio, meninos?