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terça-feira, 18 de agosto de 2009

[Desafio] Mercado aberto

Por ser caixeiro-viajante, por muitas bandas havia passado. Conhecera muitas pessoas, travara relações, amizades, inimizades. Eram tantos rostos e tantos lugares que há muito tempo as coisas tinham deixado de lhe impressionar. Mulheres barbadas, já vira umas trinta; sereias, conhecera uma (muito simpática, por sinal), enterro de anão, já participara de vários, sendo coveiro em uma pequena parte deles, aliás.

Como dito, há muito tempo, as coisas não lhe impressionavam mais.

Mas não deixavam de lhe dar uma certa alegria secreta, porque eram a prova de que ele era livre, de que podia sair por aí como bem entendesse e levava a vida que sempre sonhara: sem raízes.

(Só que isso não interessa no momento. A felicidade dele não é o que eu quero contar. Quero contar-lhes sobre aquilo que reacendeu a chama do espanto e da inquietude dentro do caixeiro.)

A vida seguia tranqüila como sempre fora, apesar de movimentada. Ele chegou numa cidade conhecida, à noite e hospedou-se num hotelzinho qualquer. Resolveu, porém, sair à noite e aproveitar a feira noturna que funcionava na cidadela (aquela em que trabalharia no dia seguinte) sem grande compromisso. Foi se divertir, enfim.

As cores cálidas, as luzes fortes, os cheiros inebriantes, a balbúrdia dos barraqueiros, tudo era lindo e inesperado para qualquer um, exceto para ele, que lançava sobre tudo um olhar blasé, de déjà-vu, mas se divertia por dentro.

Andou mais um bocado, até se deparar com uma multidão que se atulhava numa roda, em torno de algo que não se podia ver direito do ângulo em que ele se encontrava. Foi, então, ver o que se passava. Provavelmente um grupo de palhaços ou atores.

Chegando lá, depois de empurrar fulanos e beltranos, viu que se tratava de um espetáculo não de palhaços ou atores, mas de bupons. Os bupons riam, brincavam, jogavam com os espectadores, tudo numa alegria que se espraiava para todos.

É claro que já tinha visto um bupom, mas esses eram de certa forma especiais. Eles tinham um encantamento tal que era impossível ficar indiferente ao espetáculo.

Terminado este, todos foram às suas casas, mas o caixeiro continuou lá, atordoado, atormentado. Não sabia muito bem o que fora aquilo, o que aquilo que vira tinha representado, mas isso, com toda a certeza, mexera com ele, e isso era tudo. Depois de um tempo, conseguiu se recuperar do choque e foi para sua hospedaria. E dormiu.

No dia seguinte, antes de montar sua venda, procurou saber mais sobre o grupo que passara por ali. Perguntou para outros fulanos e beltranos, mas ninguém de nada sabia. Era como se nada tivesse acontecido.

Abriu, então, a barraca e começou a vender, como sempre. Era triste, mas a vida continuava. Com ou sem a trupe de bupons.

Dizem que ainda hoje ele pergunta para todos os fregueses de todos os lugares por que passa se eles viram aquele grupo de bupons, com esperança de poder, de novo, sair do estado de indiferença que a vida viajada lhe deu.

1 comentários:

Victor disse...

Ainda não gostei...