Desafio da Última Linha

Acompanhe aqui as sugestões de cada um:

Desafio dos Neologismos - Encerrado
Desafio dos Títulos -Encerrado


sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Escrevi uma poesia Esqueci-me, no entanto, de podá-la Ei-la aqui em prosa e derramamento

domingo, 10 de outubro de 2010

Naquela noite, ouvindo músicas tristes, ela pensava na vida pelo que seria a tri-milionésima vez. O tom dos pensamentos era o mesmo da trilha sonora, e ela se viu lembrando das tantas coisas que não completou, que não viveu, que não sentiu.
O ritmo e o tempo da canção cresciam nela e ela sentiu o coração apertar ao mesmo tempo em que sua garganta procurou pronunciar as palavras e seus olhos desejaram uma lágrima que não vinha. E que não viria, pois não era a primeira e nem a segunda, mas sim a milionésima vez que aquilo lhe ocorria e o final era sempre o mesmo.

Ela desolada, o olhar fixo e perdido, a expressão melancólica e o pranto que não vinha.

E como mil vezes antes pensou que era daquela forma que seria, que não dava para fugir daquele meio que se meteu. Mas resolveu, como outras 350 vezes, que iria mudar, que cada passo seria uma mudança, que cada gesto seria em direção a uma nova vida. E sorriu. Um sorriso que não era forte, mas que tinha uma determinação e um brilho cálido e pálido, e que seria aquilo que a faria dormir nessa noite.

Sorriu de novo e esfregou as pálpebras. Repetiu a música. No peito o coração ainda um pouco apertado, nos olhos um resto de desejo de chorar, mas por dentro um calor renovado que a acalmava e que carregaria até a manhã. Ou, talvez, pra sempre.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O herege e o pio

"Na própria bíblia é dito que a bíblia é o livro sagrado", retrucou o pio, encurralado.

"Naturalmente. Seria uma puta estupidez se quem escreveu a bíblia não tivesse posto lá que a bíblia é sagrada. Não diz em nenhum outro lugar".

"Como assim 'quem escreveu a bíblia'? A bíblia não foi escrita por uma pessoa, foi escrita por Deus".

"E qual caneta Deus usou? E que tipo de papel ele usou?"

"Ele é Deus, não precisa de papel e caneta. Aquela é palavra de Deus, é o que eu quis dizer".

"Qual palavra?" O herege sorriu. "Você sabe que Jesus falava aramaico, o Antigo Testamento foi escrito em hebraico, o novo testamento em grego, e depois foi tudo traduzido junto pro grego, e depois pro latim, e depois pro galaico-português, e depois pro português moderno e depois ainda adaptado pro português brasileiro? Qual dessas línguas falava Deus?"

"Todas"

"Deus era um poliglota?"

"Um o quê?"

I rest my case.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

1. O mago (Le Bateleur)

Apenas a aparência do homem que chegava à cidadela aquela noite já seria suficiente para justificar a movimentação que lá haveria por tanto tempo.

Destoava completamente de qualquer habitante; a começar pelos cabelos louros que cascateavam do enorme chapelão, cabelos que em nada se assemelhavam aos tufos negros e quase imóveis da cabeça dos cidadãos, salvo talvez pela sua composição química, isso se admitirmos, frente a tanta diferença, ser o homem da mesma espécie dos que o recebiam – com riso, espanto ou ambos.

As roupas de cores fortes que vestia também eram de grande estranhamento e destaque se postas ao lado da cinzez das mantas e capuzes usuais da região.

Foi sem se incomodar com os comentários, fofoquetas e burburinhos que ele se instalou numa hospedaria qualquer. Não dormiu, não era desses: só se permitiu descansar da viagem que fizera.

Cedo, pouco depois de iniciar o dia, partiu com sua bagagem (duas grandes e pesadas malas de mão) para o mercado aberto da cidadela.

Lá, de uma mala, não tirou mais do que alguns pedaços de madeira, com os quais improvisou uma mesa, sobre a qual pôs uma das malas, da qual tirou uma sineta, a
qual tocou aos quatro cantos, de modo a atrair a atenção para si. Mais ainda.

E já se formava uma discreta plateia (sim, discreta porque o que gritava em cores era ele), ávida para saber o que trazia tão distinto jovem.

Então, ele tirou da mala sobre a mesa um globo azul, que segurou por meio de um fio.

Mostrou-o com certo mistério à multidão. Quando todos já não podiam se conter de curiosidade, o homem deu um pequeno tapa no objeto, de modo que este se pôs a girar.

À medida que girava, sua superfície se transformava. Do azul, surgia uma tímida mancha verde, que aos poucos se expandia e, ao estar já enorme, se rompeu. E as manchas verdes iam lentamente se tornando acinzentadas, umas mais do que as outras.

Algumas manchas, as do topo e do fundo, de verdes, faziam-se brancas.

O público fitava maravilhado a criação do homem. Se era mágico o espetáculo que ele trazia, era ainda mais mágico ver o olhar de todos, atentos.

E, de vez em quando, ouviam-se alguns estalos vindos da invenção, que tomavam as pessoas de surpresa – e de um certo temor.

Luzes saíam do cinza. Do azul se fazia o preto. E o espetáculo de cor, luz e secos sons era de acelerar o coração.

Foi quando, com um gesto rápido com a mão livre, o homem pediu para que as pessoas se afastassem. Obedeceram, mas a tensão já estava formada: e agora? O que é que essa máquina vai fazer?

O globo foi se tornando arroxeado por completo. Uniformizou-se, como se uma névoa se apoderasse de sua superfície. E a névoa passou a trocar de cor de forma rápida e constante. Verde, vermelho, amarelo, roxo, cinza, preto, azul, branco, verde de novo, roxo de novo, rosa, vermelho, vermelho, vermelho, vermelho e

Explosão. O globo irrompeu num alto estalido, culminando numa espantosa apresentação pirotécnica, recebida com aplausos calorosos que se recuperavam do susto.

Não é preciso dizer que a mercadoria daquele homem foi um sucesso e que logo após já havia dezenas de pessoas – inclusive mercadores locais – a se estapear para comprar um exemplar para si.

O estoque, que não era extenso, não durou muito, e o homem partiu, sorrindo, sob uma chuva de aplausos e gritos entusiasmados (em especial daqueles que conseguiram adquirir o joguete).

Como era de se esperar, os globos vendidos logo desapareceram, mas perduraria para sempre, naquela cidadezinha, a lembrança daquele homem tão esquisito e do que ali havia começado.

domingo, 11 de julho de 2010

Kieran

Não foi sem demora que Kieran descobriu seus poderes. Tinha a capacidade de controlar o clima. Na verdade, não se pode dizer que tinha pleno domínio sobre eles: não era o caso de, em todas as vezes, o vermos pedir simplesmente "quero que neve" para que isso ocorresse. O fato era que muito do que acontecia em termos de mudança climática repentina era completamente alheio à sua vontade - mas ele não deixava de ser o culpado.

Mesmo antes de ter noção do que era capaz de fazer, já era de espantar a coincidência das vezes em que se machucava, e desatava em choro, e o tempo que se fechava em nublado, nos casos de pouco choro, ou na chuva torrencial, da vez em que quebrou um braço.

Foi da primeira vez em que ficou de castigo, sem poder brincar com seus amigos, que se registrou a segunda menor temperatura do verão da cidade em que morava. A mais cruel foi no dia do falecimento de sua babá.

Também não foi por acaso que, no início de sua adolescência, a cidade teve sua pior crise de chuvas, por dias ininterruptos: tudo por conta do humor nada constante de Kieran.

Kieran fez enormes proveitos de seu poder em causa própria.

Algum tempo depois de tê-lo descoberto, e apesar dos esforços empregados para escondê-lo, seus amigos mais próximos, bem como sua família, obviamente, se aperceberam do fato, e também, secretamente, aproveitaram-se.

Convidar Kieran para qualquer festejo ao ar livre era uma grande loteria: se por um lado havia a chance de termos um belo dia de sol se o rapaz pudesse ir à festa, havia sempre o risco de que ele se entristecesse, se fosse obrigado a ficar em casa, e então lá viria uma garoa fina capaz de arruinar os planos do dia. Ai dos festejantes se Kieran descobrisse que não tinha sido convidado para alguma coisa.

Houve um caso de chover um dia inteiro, o que seria normal, não fosse ter chovido sobre uma única casa.

Os problemas começaram quando ele percebeu que tinha se apaixonado.

De início, não houve grandes alterações no clima, assim como não houve grandes alterações em si. Mas na medida em que se via cada vez mais amando, fazia brilhar um forte sol quando estava com seu amor. E em suas ausências, chuva e mais chuva.

E então, começaram a namorar, fato esse marcado por um evento climático curioso: armaram-se nuvens pesadas e o céu começou a mandar corações sobre a terra. O parece romântico, assim, contado a seco, na verdade se revela um episódio dos mais asquerosos. Não eram corações vermelhinhos e desenhados, dos que se vêem nas representações mais fofinhas. Eram corações reais, de vários tamanhos e de várias espécies, pingantes de sangue fortemente escarlate, que se espatifavam pelo chão, manchando a cidade de amor e nojo. Mais nojo que amor, evidentemente.

Kieran, é claro, percebeu de imediato sua culpa no evento. E sendo o único – ou o mais rápido - a relacionar seu estado emocional ao problema, em meio ao horror da chuva de corações, ao menos teve tempo de rir do acerto da representação humana, em que o órgão era associado ao afeto. Podia ser pior e mais libidinoso, mas não foi o caso.

A chuva seria comentada para o resto da história, sem explicação cabível que pudesse dar conta do que raios havia acontecido, mas a história não seria um período realmente longo.

Kieran e seu amor brigavam de vez em quando.

E quando brigaram leve, houve pesada revolta no mar.

E quando brigaram feio, passou pela cidade o pior furacão de todos os tempos.

E na iminência de terminarem o namoro, as folhas das árvores caíram em massa.

E foi quando terminaram que ele, que ainda amava demais, fez congelar as poças d'água, os encanamentos, as bacias hidrográficas, e os minerais, as plantas, as bestas, e os homens todos.

Não se sabe se isso foi feito proposital ou acidentalmente. E nem se poderá saber mais, porque já não havia testemunha alguma descongelada que pudesse continuar essa histó

domingo, 23 de maio de 2010

Joana

Conta que da família, Joana era a mais bem-sucedida e que era, portanto, a mais invejada. Um mimo de gente, uma jóia rara, de dotes clássicos: tinha beleza, tinha graça, tinha sensibilidade, tocava piano, sabia costurar, cantava bem, atuava, pintava, até mesmo escrevia de vez em quando e dela saíam as poesias mais inteligentes, mas que, por qualquer motivo, não as publicava e somente poucos as liam.
Mas nem só de classicismo vivia a jovem. Era também um estandarte da mulher moderna: articulada, bem-sucedida, estudiosa, trabalhadora e namoradeira – sempre de um homem só, e, aliás, um deus grego, segundo as vizinhas, e um viadão, segundo os vizinhos.
Causava pontadinhas de inveja nas irmãs, nas primas, nas tias e até nas inamigas. E disso até onde parece ela tinha consciência, embora não ligasse de todo.
Pois então, conta que um dia o olho gordo pegou de vez e ela sofreu um acidente de moto, mas só se feriu o suficiente pra ficar um tempo num hospital. A beleza estava intacta, ufa.
E no hospital, ela recebeu uma cesta de flores, com um cartão modesto, assinado por uma das tias, desejando melhoras.
E ao ver o cartão, antes que lesse, ela sentiu que.
Ela sentiu que.
Sentiu que.
Que.
Porra, ela sentiu que.
O que ela sentiu? Calma, vamos lá: ela tem um acidente, recebe um cartão de uma tia invejosa e quando vê o cartão sente que.
Não dá! Argh, não dá pra dizer o que ela sentiu!
Mas eu sei o que ela sentiu, porra. É algo, aliás, bem lógico de se sentir numa situação dessas. Ela sentiu que.
Não dá. Não sai. E agora?
Não consigo fazer ela sentir. E agora? Ela precisa sentir, meu deus. Ela merece. Ela merece sentir isso de.
E não tem mais ninguém para sentir por ela! É só ela, com tudo o que a caracteriza que pode sentir isso de.
Um sinônimo, é isso, um sinônimo. Posso dizer que ela sentiu que cambeps.
Que czztrais.
Que ascmpin!
Que suc!
Que merda! E agora que não sai? O que ela sente não sai e o que parece sai errado.
Joana sofre um acidente. Joana sofre um acidente e é hospitalizada. Joana é hospitalizada e recebe um cartão. Joana lê o cartão e, finalmente, sente que.
Ela sente que.
Peqpocz é sentido por ela.
Eu lá sou irresponsável de deixar ela viver sem sentir isso que lhe cabe? Criei uma vida, porra, agora sou responsável por ela. É meu dever, e um direito dela, poder sentir tudo o que lhe é de direito, inclusive sentir que.
É isso.
E no hospital, ela recebeu uma cesta de flores, com um cartão modesto, assinado por uma das tias, desejando melhoras.
E ao ver o cartão, antes que lesse, ela sentiu que o coração parara.
Pronto.

sábado, 1 de maio de 2010

Parte 4

Cheguei, filha da puta!
Você achou que nunca mais fosse me ver,
Mas com teu carma, só muita luta
Pra não ficar agora à minha mercê.
Cadê as crianças?
Na casa de um amigo, que o caralho!
Cadê as crianças?
Você esqueceu elas no trabalho?
Quantas mudanças,
Até arranjou emprego,
Agora pega a merda do carro e vai buscar
Antes que eu precise o teu pinto chamuscar
Com meu cigarro, só aí 'cê pede arrego.
Assim que elas chegarem,
Vou fazer umas perguntas,
E se elas não falarem,
Corto a língua sua e dela, as duas juntas.
Falar nisso, velho amor,
Onde está ela?
Sabia que eu viria e já pressentiu a dor?
Ou se ocupa simplesmente de limpar uma panela?
Enquanto isso, me sento, e peço água.
Não me traga quente, nem gelada,
A temperatura certa abranda minha mágoa,
Só traga as crianças, e não me esconda nada.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Rasgos

Quando te vi luziu-me uma centelha.
Perdi o rumo, o chão: perdi a fala.
Fiz-me cortês e, então, p'ra conquistá-la
Rasguei uns versos com tinta vermelha

Mas foi em vão tal poesia torta
Porque não te iludiam os pronomes
Para que me notasses, nossos nomes
Rasguei na casca duma árvore morta

E vendo qu'inda tinha fracassado,
Tentei um método desesperado:
Rasguei a pele em tatuagem rasa!

E ao perceber que não serias minha
Te amei da forma como me convinha:
Rasguei-te o peito e te pus toda em brasa!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O píer

Essa faixa estreita
de madeira e de sonho
avança assim
sem obstáculos
lançando-se sem rodeios
ao encontro do mar
Dado um momento porém
pára talvez encantada
com a imensidão
E melhor do que vê-lo
o píer assim
de bem com esse mar
é caminhar sobre ele porque
à medida em que se anda
se esquecem os achaques
e as angústias da terra
para estar em contato
apenas com as águas
e com o que de bom trazem as águas
Nele avançamos e ao seu fim
nada mais nos resta que não
o infinito