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domingo, 23 de maio de 2010

Joana

Conta que da família, Joana era a mais bem-sucedida e que era, portanto, a mais invejada. Um mimo de gente, uma jóia rara, de dotes clássicos: tinha beleza, tinha graça, tinha sensibilidade, tocava piano, sabia costurar, cantava bem, atuava, pintava, até mesmo escrevia de vez em quando e dela saíam as poesias mais inteligentes, mas que, por qualquer motivo, não as publicava e somente poucos as liam.
Mas nem só de classicismo vivia a jovem. Era também um estandarte da mulher moderna: articulada, bem-sucedida, estudiosa, trabalhadora e namoradeira – sempre de um homem só, e, aliás, um deus grego, segundo as vizinhas, e um viadão, segundo os vizinhos.
Causava pontadinhas de inveja nas irmãs, nas primas, nas tias e até nas inamigas. E disso até onde parece ela tinha consciência, embora não ligasse de todo.
Pois então, conta que um dia o olho gordo pegou de vez e ela sofreu um acidente de moto, mas só se feriu o suficiente pra ficar um tempo num hospital. A beleza estava intacta, ufa.
E no hospital, ela recebeu uma cesta de flores, com um cartão modesto, assinado por uma das tias, desejando melhoras.
E ao ver o cartão, antes que lesse, ela sentiu que.
Ela sentiu que.
Sentiu que.
Que.
Porra, ela sentiu que.
O que ela sentiu? Calma, vamos lá: ela tem um acidente, recebe um cartão de uma tia invejosa e quando vê o cartão sente que.
Não dá! Argh, não dá pra dizer o que ela sentiu!
Mas eu sei o que ela sentiu, porra. É algo, aliás, bem lógico de se sentir numa situação dessas. Ela sentiu que.
Não dá. Não sai. E agora?
Não consigo fazer ela sentir. E agora? Ela precisa sentir, meu deus. Ela merece. Ela merece sentir isso de.
E não tem mais ninguém para sentir por ela! É só ela, com tudo o que a caracteriza que pode sentir isso de.
Um sinônimo, é isso, um sinônimo. Posso dizer que ela sentiu que cambeps.
Que czztrais.
Que ascmpin!
Que suc!
Que merda! E agora que não sai? O que ela sente não sai e o que parece sai errado.
Joana sofre um acidente. Joana sofre um acidente e é hospitalizada. Joana é hospitalizada e recebe um cartão. Joana lê o cartão e, finalmente, sente que.
Ela sente que.
Peqpocz é sentido por ela.
Eu lá sou irresponsável de deixar ela viver sem sentir isso que lhe cabe? Criei uma vida, porra, agora sou responsável por ela. É meu dever, e um direito dela, poder sentir tudo o que lhe é de direito, inclusive sentir que.
É isso.
E no hospital, ela recebeu uma cesta de flores, com um cartão modesto, assinado por uma das tias, desejando melhoras.
E ao ver o cartão, antes que lesse, ela sentiu que o coração parara.
Pronto.

2 comentários:

Thiago disse...

ahuhauhauhuahuhauh.
amei,
ao ler tudo isso, eu senti que.





eu gargalhara.

SUSANA disse...

Bom. Muito bom.