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sexta-feira, 18 de julho de 2008

Um Réquiem para Bonifácio

Só o prólogo, por enquanto.

Era difícil crer que era verão, por causa do vento gelado, ingrato, que corava as bochechas do menino Max. Seus cambitos de apartamento chacoalhavam pelas ruas de uma cidade serena, limpa e cinza, uma tal de Salzburg, numa tal de Áustria. As pessoas eram loiras, bonitas, de olhos claros. Mas o dia não era bonito, não.

Bonifácio era o homem que Max conhecera havia três anos, no café onde esperava seu pai depois das aulas de violino. Era um homem com lá seus vinte e poucos anos. Magro, mas não raquítico. Tinha cabelos loiros e abundantes. Na primeira vez em que se encontraram, Bonifácio ofereceu ao menino, que tinha nove anos na época, um chocolate quente (era outono). Max, aflito, recusou.

Sempre lhe disseram que não aceitasse ofertas de estranhos. Porém, quando, no dia seguinte, Bonifácio persistiu, com um tom tão doce e insistente, Max acolheu o homem em sua mesa, e foi-lhe companhia durante um lanche silencioso, breve.

Não era normal que homens de vinte anos saíssem por aí oferecendo chocolates a meninos de nove. Mas algo no rosto do homem, a barba por fazer, os óculos calmos, os olhos azuis, algo fez o pequeno Max se esquecer de todas as regras que lhe haviam ensinado sobre aceitar coisas de estranhos.

O dia seguinte foi um sábado, e eles não se encontraram. Na segunda-feira, Max encontrou Bonifácio de novo, e dessa vez até conversaram um pouco, sobre trivialidades, como escola, esportes.

Era um cara engraçado, aquele Bonifácio, fazendo suas gracinhas acabou conquistando o pequeno Max, que, antes de perceber, tinha completado doze anos. Sempre, de segunda a sexta, depois das aulas de violino, encontrava o rapaz e conversava. Sempre, sem que fosse dito, sem que fosse advertido, ele soube que não deveria contar a ninguém, ninguém mesmo, sobre o jovem Bonifácio que encontrava no café.

Depois de três anos, já se conheciam bem. Max, por exemplo, já sabia que Bonifácio era órfão de pai (que morrera num acidente de carro antes de completar um ano), que morava numa área nobre da cidade, que cursava direito na universidade, mas pensava em largar para fazer jornalismo, que nunca tinha tido uma namorada de verdade mesmo.

Foi alguns meses depois de Max ter feito doze anos que Bonifácio morreu. Max não soube como, nem onde, nem quando, mas soube que morreu. Era estranho que um ritual tão cotidiano tivesse se tornado tão importante. Foi então que Max, se sentido bem mal pela morte do amigo mais velho, esqueceu-se do pai, que em pouco tempo viria buscá-lo, e pôs-se a andar nas ruas serenas, limpas e cinzas de Salzburg, no frio verão Austríaco.

E começou a assobiar. Assobiou uma melodia ao acaso, enquanto errava no frio, e, em seu não-pensar confessou o que sentia numa bela música. Pensou em tocá-la no violino, mas sabia que não levava jeito para o violino. Muito embora seu professor o tenha dito a seus pais em algumas ocasiões, eles sempre insistiram. Desde os oito anos!

Max queria parar com as lições de violino. Queria estudar geografia, as coisas dos países e das cidades sempre o fascinaram. Queria aprender esloveno, porque ouviu uma vez um imigrante falando e achou lindo, mas seus pais lhe negaram isso: tinha de ser violino. Para que aprender a tocar os instrumentos, se ouvi-los já tocados era muito mais prazeroso?

E andava, assobiava, andava, assobiava. Um passo, uma nota, um passo, uma nota.

Passou por uma padaria. Deu-se conta de que já várias vezes passara por ela, e sempre sentira aquele mesmo cheirinho de croissant, de pão quente, mas que nunca comera nada dali. Contentou-se com o aroma e seguiu em frente, ou tanto faz a direção.

E assobiava, andava, assobiava, andava. Uma nota, um passo, uma nota, um passo.

E lhe perguntaram que melodia era aquela, tão bonita, tão suave:

Um Réquiem para Bonifácio,

respondeu, satisfeito.

1 comentários:

Anônimo disse...

Lindo! Forte e suave a um tempo!