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domingo, 26 de outubro de 2008

Título é coisa de comunista

Tomado pelo "furor democrático", como descrevi meu entusiasmo eleitoral mais cedo a minha mãe, passei um domingo esperançoso em meio a uma atmosfera carregada de indefinição. Ainda sou menino (e não me contradigam!) e entendo tudo isso como inocência -- muito embora nós, jovens, muitos pela primeira vez fazendo parte desse maravilhoso processo eleitoral, minto, circo estapafúrdio, deixemos nossa naïvité natural fora de cogitação ao refletir sobre nossas emoções.

Reflexões acessórias à parte, narro. Minha mãe, mulher nos seus quarenta, desencantada com o Brasil, nascida no caldeirão político que era o Brasil às vésperas da ditadura (veio ao mundo em 1963), todo domingo -- único dia da semana que passa em casa -- escuta um programa de rádio espírita em uma rádio AM, pontualmente às seis da tarde. Hoje não foi exceção, como haver-se-ia de esperar de um culto espírita.

Desde às cinco e pouquinho montávamos um quebra-cabeças de mapa múndi, que acompanhou os fascículos dos Atlas National Geographic, com que ela tão afavelmente vem me presenteando e, às seis, desliguei a televisão, a seu pedido, e levei à sala seu guerreiro rádio de pilha branco encardido. Despedi-me da Globo News e mergulhei nos oceanos Pacífico Sul, Atlântico Sul e Índico, enquanto ansiosamente projetava em meus pensamentos sobre o que poderia estar, concretamente, ocorrendo no mundo das eleições.

Várias vezes minha mãe tentou, em vão, me acalmar. Afinal de contas, levei todo esse processo eleitoral (leiam, se possível, aliás, a crônica que João Ubaldo Ribeiro no jornal O Globo) muito a sério, muito pessoalmente. Ouvi-a dizer que essa era a primeira vez em que escolhia um cadidato não por conveniência, como contingência, para impedir que outro, ainda mais insofrível, tomasse posse. Que era a primeira eleição em que se sentira votando em um candidato, e não contra outro. Et cetera.

Era injusto, pois, da minha parte, indignar-me. A primeira vez em que fui recebido com apatia por mesárias degostosas (de forma alguma as culpo -- e mais, temo o mau-humor que exibiria caso fosse recrutado para função tão ingrata) em um domingo desconfortavelmente quente foi para votar em um candidato em cujo potencial de mudança acreditava. Não que visse meu candidato como o libertador messiânico como muitos vêem seus escolhidos, deixemo-lo claro.

Concluímos o quebra-cabeças, pelejamos para encontrar a forma mais adequada, mais anti-empregada desastrada de guardá-lo (pensamos em emoldurá-lo, tão lindo que ficou). Liguei a televisão. Tão logo veio o choque: vi Lúcia Hippolito -- não, não ouvi, vi -- comentando a vitória parcial do candidato GI Joe, nosso tão amado político boneco, feito de um plástico indestrutível. Ainda dominado pelo "furor democrático", desabei em impropérios para gente que não podia me ouvir e que desconhecia minha existência. Desmoronei no desamparo que vejo habitar os semblantes dos mais experientes. Implodi em raiva.

A frase "meu candidato não foi eleito" não é simplesmente alvitre da insatisfação -- claro, se GI Joe tivesse perdido, seus militantes também o lamentariam --, mas o apelido de uma construção metafísica que gosto de chamar de Mausoléu do Pensamento. Sim, amigos, o pensamento morreu. Tudo aquilo que minha mãe, já conformada com a mediocridade, sempre me disse sobre a mentalidade das pessoas, sobre como elas pensam a política (optei pela transitividade direta, se não se importarem), acabou por se revelar, para mim, agora, o alicerce do dito mausoléu.

Acordarei, amanhã, sentindo na pele o ar quente do Rio de Janeiro que olhou a mudança nos olhos e fez-lhe do peito peneira. O Rio, amanhã, será Nathuram Godse, para mim. Mas antes que atirem pedras, retifico: a votação massiva de meu candidato implica, diretamente, uma mobilização. Não foi suficiente. E é precisamente a insuficiência que me açoda a gritar com a inocente televisão.

Sinto conformar-me com a mediocridade. Lembro-me da recontagem na Flórida que deu a vitória a Bush, o Pateta, e não a Al Gore, que dispensa comentários. Lembro-me de acontecimentos lamentáveis. Mas é como assalto. Você ouve falar e se incomoda. Você é assaltado é tomado por um tanatos indescritível.

Eu já fui assaltado. Hoje, em um sentido a mais. E o que levaram não se vende a varejo, como alianças políticas.

1 comentários:

Anônimo disse...

Ui! Esse parágrafo final até doeu...