Desafio da Última Linha

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domingo, 2 de novembro de 2008

[Desafio] O motorista e a omelete

- Amor...amor...eu ‘tô com um desejo..

-

Odair trabalhava naquela casa havia alguns anos. Recentemente, com a gravidez da patroa cada vez mais perto do fim, recebia extra pra ficar de prontidão todas as noites, em caso de alguma emergência. Como a gestação vinha sendo tranqüila e nada tinha acontecido, o motorista geralmente passava as horas dormindo no quartinho ao lado da garagem. Assim, foram precisas três ligações para o rádio para que Odair quebrasse sua rotina e acordasse, dizendo um oi rápido e sobressaltado.
- Odair...temos problemas.
- Aconteceu alguma coisa com a Dona Martha, patrão?
- Não exatamente, ela...ela..quer um omelete
- Ahn...desculpa a indelicadeza, Seu Roger, mas o senhor não acha que pra isso era melhor ir pra cozinha?
- Então, esse é o problema... Não tem ovo em casa- Odair ficou em silêncio, percebendo o que viria a seguir- Você se importaria de ir ao mercado?

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Ir ao mercado seria uma coisa simples e fácil, não fossem alguns detalhes.
Naquela parte da cidade nada era perto a ponto de se poder ir a pé. Como se isso não fosse o suficiente, os ricos da região, como Seu Roger e Dona Martha, gostavam de ter suas mansões em lugares ainda mais longes e isolados. Em conseqüência, as compras da casa eram normalmente feitas por telefone, ou tinham um dia inteiro reservado para fazê-las.
Comprar um ovo naquelas situações era uma tarefa quase hercúlea. Olhando para o relógio, Odair viu que eram 3 horas da manhã. De um domingo. Suspirou e ajustou sua armadura - uniforme completo com gravata, luva, sapatos lustrosos e quepe - e partiu rumo ao seu primeiro trabalho.

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Quando Odair encontrou um mercado 24 horas se sentiu muito sortudo. Tão sortudo que nem ligou para os olhares estranhos que recebeu dos funcionários, alguns deles quase dormindo recostados nas prateleiras. Terminou de depositar os ovos sobre o caixa e algo lhe ocorreu. Encostou o quepe no peito, pediu à caixa que esperasse e pegou o rádio.
- E então, Odair, 'tá chegando?
- Na verdade, não, 'tô no mercado ainda...mas é que..a patroa quer omelete de que?
- Como assim, Odair?
- Tem tudo que precisa na casa? Sabe como é né, senhor, omelete não se faz só de ovo...

-

Dirigiu muito mais rápido do que o recomendável - o pedido havia sido feito já há um tempo e ninguém queria uma criança nascendo com cara de ovo- e saiu do carro já passando um rádio para o chefe.
- 'Tô chegando co'os ovos, patrão!!- silêncio e suspiro pesado do outro lado e Odair parando no meio das escadas
- Que foi, Seu Roger? Dona Martha perdeu o desejo?
- Não, não, antes fosse. É a Rosa, Odair. Eu esqueci que a Rosa tá na casa dela hoje.
- ...e qual o problema nisso?
- eu não sei cozinhar.

-

Odair então se viu tirando o casaco e levantando as mangas, ligando o gás e arrumando as coisas na bancada. Olhou para tudo alguns minutos, viu a graça da situação e começou o segundo trabalho.
Quebrou três ovos num prato e misturou bem a clara e a gema com um garfo (movimentos circulares, movimentos circulares, movimentos circulares). Colocou a frigideira na primeira boca do fogão, adicionou um pouquinho do óleo e depositou metade do conteúdo do prato e, em seguida, os complementos. Arrumou pra que ficasse o mais redondinho possível, esperou um pouco e virou. Esperou mais um pouco e tirou da panela, botando num prato limpo. Colocou mais óleo e a segunda metade do conteúdo do primeiro prato e fez tudo de novo.
Sorriu para sua obra prima.

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Nem cinco minutos de fogo aceso depois, Seu Roger abriu a porta do quarto e se deparou com um Odair impecavelmente uniformizado carregando uma bandeja de prata com dois omeletes, um copo de suco de uva e alguns dos docinhos do pote da cozinha. Sorriu para o motorista, que também mostrava os dentes, e pegou a bandeja de sua mão, murmurando um obrigada e anunciando a esposa que seu 'desejo' havia chegado.

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Odair estava cansado e já com a gravata frouxa quando recebeu o que esperava ser o último rádio da noite lhe comunicando que fazia 'o melhor omelete do mundo', nas palavras de uma grávida faminta.
Olhou para a pia ainda desarrumada e sua barriga roncou.

Hora de fazer outra omelete.

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Proposta:
O belíssimo dia em que o sol se levantou e a manhã não nasceu

4 comentários:

Cássia disse...

...ou ' eu-sou-completamente-louca-e-quero-ver-se-o-pedroe-o-victor-consegues-escrever-isso-depois-de-me-forçarem-a-falar-de-omeletes '

Victor disse...

Eu acho tudo o que a Cássia escreve de uma fofura ímpar.

Thiago disse...

lindo o texto, a estrutura. você tem um ritmo mágico.
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vocês gostam de finais felizes. adorei.
bjo!

Pedro disse...

"feito já HÁ um tempo" (5º parágrafo, 2ª linha).

Fora isso, Cássia, bom demais! Amoo.

Cito Victor: "fofura ímpar".