Desafio da Última Linha

Acompanhe aqui as sugestões de cada um:

Desafio dos Neologismos - Encerrado
Desafio dos Títulos -Encerrado


sábado, 13 de dezembro de 2008

O pornógrafo

Nas ruas elétricas de uma megalópole abandonada corria o pornógrafo por debaixo de chuva forte atrás do ônibus respirando fumaça e ondas de rádio no concreto plúmbeo industrial molhado de lama cinza, atrás da virtude roubada dos velhos tempos dos sonhos siderais de uma sociedade branca espacial, sua calça jeans suja da velha água roedora dos bueiros malcheirosos, suas meias de algodão processado ensopadas num incômodo carbônico.

Corre, pornógrafo, você chega lá.

O condutor se comiserou e parou o veículo metálico com um ganido desproporcional de efeito cinematográfico e o pornógrafo entrou no ônibus com um falso sorriso de alívio e arrogância, despejou sobre os ásperos calos do trocador o dinheiro com cheiro forte de níquel velho e forçou seu corpo oncológico a girar a roleta sólida com um ruído estridente de passagem para se sentar num banco rasgado com pixações profanas perto de uma janela quebrada com um puxador que parecia cortante.

Espera, pornógrafo, você chega lá.

Foi assolado por pingos finos e gelados de uma chuva corrosiva durante toda a viagem até chegar ao ponto de ônibus de sua casa e desceu para acelerar o passo fatigado da rotina de nojo até o portão do prédio, tateou pela chave de alumínio no bolso do sobretudo e abriu a porta com triunfo prosaico de desconcerto para ver o apartamento adstrito empoeirado e mal iluminado com um único foco de luz amarela débil e vacilante como o instinto e a moral.

Arruma, pornógrafo, você chega lá.

Tomou coragem e pôs-se a organizar a mobília e os objetos e a tirar o mofo parasítico de sua morada suja durante toda a madrugada enquanto trovões reverberavam zombarias e relâmpagos crebros discotecavam num pulso narcótico e limpava, esfregava, cuspia e suava com a obstinação quase demoníaca de um obsessivo recém-descoberto, tudo para que pela janela entrasse a manhã sadia e arrumada e as buzinas descompassadas da impaciência do dinheiro.

Descansa, pornógrafo, você chega lá.

O corpo envelhecido exausto se atirou no sofá há pouco ajeitado e deixou-se respirar da atmosfera metropolitana poluída e pervertida de desapego e egoísmo num desvario gosmento de roncos e câncer enquanto um assobio lúgubre escapava e se recolhia dentro de seus pulmões tomados por velhas cinzas contumazes de uma juventude ébria em excessos e vaidades e loucuras mórbidas.

Dorme, pornógrafo, você chega lá.

Enterrado na terra viciada pelo esforço exacerbado de demência moribunda sua carne acre era digerida pelos vermes hiantes que salivavam ácidos acerbos nos esfumaçados globos hialinos de devassidão e de doença que em breve seriam litocarpos infames a tropeçar para dentro de um oblívio edáfico de podridão das obsecrações obliteradas dos perdidos e dos fracos das cidades de pornógrafos.

1 comentários:

Victor disse...

Quanto realismo!